São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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CRÍTICA

Emoção medida sobre medida

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Embora previsibilíssimo, não deixa de ser impressionante. Dia de eliminação no "Big Brother Brasil", a quarta edição (já? Pois é...). As famílias e amigos dos contendores estão em pequenas arquibancadas, uma de cada lado do cenário.
Pai e mãe, irmãos, às vezes filhos, amigos, conhecidos do bairro e, desconfia-se, papagaios de pirata se engalanam como torcidas -alguns vêm uniformizados, alguns trazem cartazes e, todos, sem exceção, pulam e gritam quando a câmera focaliza.
Dentro da casa, àquela(e) que está em vias de ser eliminado é permitido(a) ver a família. Não importa quanto tempo ela(e) não vê seus parentes e amigos, a reação é sempre a mesma: levantam-se, gritam, põem a mão na cabeça, dizem os nomes de um e de outro, enquanto a torcida pula e grita. Grita-se muito, aliás.
O programa prossegue. Conversa vai, conversa vem. Instados pelo apresentador, os confinados fazem previsões sobre quem vai ou não ser escolhido pelo público, comentam os pequenos acontecimentos da vida na casa, os minutos passam. De novo, o apresentador faculta a um e depois ao outro a visão dos entes queridos. Como bonecos de engonço, novamente eles se levantam, e o ritual prossegue, como se obedecesse a um script.
É a chamada emoção, a pedra de toque da TV. Se na vida mais ou menos real a emoção corresponde a uma reação espontânea e um movimento afetivo despertado por algum estímulo externo, no mundo televisivo a palavra designa outras coisas. Na TV, emoção é aquilo que todos que estão diante da câmera acham que têm obrigação de demonstrar, como forma de convencer o espectador que merece atenção.
O moderno recurso do medidor de batimentos cardíaco tenta capturar, não a emoção de fato, que essa é inefável, mas esse esforço em se fazer notado(a). Os "reality shows" são arenas privilegiadas para a observação desse estado alterado de consciência que é o comportamento de pessoas comuns, ou melhor, de não-profissionais, quando sabem que serão filmadas. A consciência de que seus movimentos serão registrados e assistidos parece jogar as pessoas em um transe.
Mesmo em um ambiente menos manipulado do que a TV e de procedimentos mais transparentes, fica evidente que ninguém é ingênuo diante de uma câmera: em alguma medida, todos representam. Os documentários de Eduardo Coutinho, por exemplo, captam muito bem esse fenômeno. É como se a câmera fosse um outro mais poderoso, mais inquisitivo e intimidante do que qualquer pessoa de carne e osso e com uma expectativa muito fixa e definida do que são as reações e atitudes adequadas ou não.
A emoção passa ao largo. O que se observa quando uma pessoa como eu e você está em qualquer situação vigiada é uma luta entre os sentimentos de fato, pessoais e íntimos, e os postiços. Vencem, é claro, os últimos.

biabramo.tv@uol.com.br


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