São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A terceira margem do rio
Teatro da Vertigem escolhe trecho do Tietê, em SP, como espaço alternativo
para a montagem de sua quarta peça
Durante a ocupação e expedição do "BR3", os artistas se depararam constantemente com o elemento água e suas variantes: depósito de dejetos (os córregos em Brasilândia), fonte de lazer e umidade (o lago Paranoá, em Brasília) e meio de transporte fundamental para a população e comércio (o rio Cuiabá na passagem por Mato Grosso, o rio Acre cortando Brasiléia e o rio Madeira beirando Porto Velho, em Rondônia). Na base do "BR3", calhou também o cruzamento entre arcaico e moderno, primitivo e contemporâneo. "No momento, existe todo um processo de revitalização, de salvamento, de despoluição, mas, concretamente, o Tietê é um rio morto pela civilização; não tem peixe, é praticamente um esgoto a céu aberto", diz o diretor Antônio Araújo, 38. Instiga-o trabalhar com um elemento natural dentro de uma megalópole que se contradiz na relação com a natureza. Deslocamento Outro fator é propiciar ao espectador um espelho do que foi a viagem por meio do deslocamento. Araújo fala em trajeto fluvial que represente o cruzamento das localidades percorridas no "BR3". A dramaturgia processual de Bernardo Carvalho, escritor e colunista da Folha, já contempla isso. "Quando voltamos da viagem, não queria fazer uma espécie de ilustração de cada lugar. Desejava uma história que fosse um pretexto para a gente falar dos outros lugares", diz Carvalho, 44, que escreve seu primeiro texto para o teatro. Ainda não o batizou, mas deve concluir a primeira versão em março. O grupo só quer comentar a história quando estiver pronta. Não faltarão, porém, observações sobre o conflito do homem contemporâneo com sua dimensão espiritual. "É curioso: a sociedade brasileira não é, mas o Estado deveria ser laico. Há um crucifixo no cenário da Câmara dos Deputados, numa capital construída por um comunista [Oscar Niemeyer] dentro de uma perspectiva de arquitetura totalmente moderna. É estranho, mas o país é totalmente dominado pela religião", diz Carvalho, que, a contragosto, cedeu aos afluentes do sagrado e do profano como conseqüência da pesquisa. Semanas atrás, quando o grupo fez a primeira viagem no trecho escolhido do Tietê, a bordo de uma lancha, notou que a instabilidade sobre as águas mexe com os sentidos do olhar, da audição, do olfato (possivelmente, o público receberá máscaras). Brecha para um estado alterado de consciência. Como nos espetáculos anteriores do grupo teatral, o Vertigem almeja que o espectador modifique a sua percepção quanto ao lugar "redescoberto". Por enquanto, o grupo mantém os pés no chão. Expõe agora um desejo, mas sabe que ainda há muito por fazer -e obter. A lista para infra-estrutura é extensa: transporte até a marginal, segurança, barcos para elenco e público, plataformas adaptadas etc. Os custos podem ultrapassar a soma da produção da "Trilogia Bíblica", conforme estima o técnico Guilherme Bonfanti, responsável pela criação de luz. Um desafio para um grupo que conta somente com uma última parcela (atrasada) da Lei de Fomento à Cultura e tem a montagem inscrita em leis de incentivo. "O projeto tem uma proporção maior em relação ao que a gente já fez", diz Bonfanti, 48, que torce pela sua viabilização. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Debate sobre o projeto reúne grupo e ONGs Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |