São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Autor fotografava em palavras imagens mentais

ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O grande trunfo de Hunter S. Thompson foi ter vivido como Hunter S. Thompson e ter escrito sobre isso. Autobiógrafo por opção, abraçou a egolatria que o jornalismo finge desprezar para narrar o mundo à sua volta, onde estivesse. Escrever e viver eram tarefas indissolúveis -era preciso, a todo custo, fotografar em palavras as imagens mentais que a superposição de diálogos, números, personagens, alucinações e teorias paranóicas formava atrás de seus olhos, em livros tão ultrajantes quanto improváveis como "Hell's Angels", "A Grande Caçada dos Tubarões", "Generation of Swine", "The Proud Highway" e "Songs of the Doomed".
Para isso, criou um pacote completo. Pegou a base do chamado "new journalism" norte-americano, em que nomes como Tom Wolfe e Gay Talese aspiravam casar literatura e jornalismo, e ousou criar sua própria vertente, batizada estupidamente de "gonzo", justamente para não ser levado a sério. Com o termo "gonzo" vinham todos os elementos da mitologia de Thompson -drogas, beisebol, humor ácido, bebidas, autodestruição, armas, política, a careca, a geração rock'n'roll, a viseira acompanhada do óculos Rayban e da camisa florida... Um coquetel explosivo que contava com ingredientes díspares e tipicamente americanos, como Hemingway, Fitzgerald e Kerouac.
"É um estilo de "reportagem" baseada na idéia de William Faulkner de que a melhor ficção é muito mais verdadeira que qualquer tipo de jornalismo -e os melhores jornalistas sempre souberam disso", escreveu na contracapa da primeira edição de seu clássico "Medo e Delírio em Las Vegas". "Isso não significa que a ficção seja necessariamente "mais verdadeira" que o jornalismo -ou vice-versa- mas que tanto "ficção" quanto "jornalismo" são categorias artificiais".
Tudo mera desculpa para que Thompson, um escritor quase cinematográfico e um bon vivant extremista, fizesse o que desse na telha. Afinal, transformava em "jornalismo gonzo" qualquer situação que visse.
"A verdadeira reportagem gonzo requer os talentos de um mestre do jornalismo, o olho de um artista/fotógrafo e os colhões firmes de um ator", continuava. "Desse jeito, imaginei que o olho e a mente do jornalista funcionariam como uma câmera. O texto seria seletivo e necessariamente interpretativo, mas, uma vez que a imagem fosse registrada, as palavras seriam definitivas".


Texto Anterior: Trecho
Próximo Texto: Música: Festival reúne internacionais e indies
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.