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Filme faz retrato brutal das naturezas humana e animal
LESLIE FELPERIN
DO INDEPENDENT
"Grizzly Man", do diretor Werner Herzog, um documentário áspero ambientado em um extremo
gelado do planeta e que oferece
um retrato brutal das naturezas
humana e animal, nem sequer entrou para a lista prévia do Oscar.
Digo a Herzog que estou surpresa por "Grizzly Man" [que será
exibido no Festival de Documentários] nem sequer ter sido indicado. "Sua surpresa me lisonjeia",
diz ele, rindo, mas o fato não o
surpreendeu. Ele sabe que o filme
não é o tipo de história enaltecedora, com temática ligada ao Holocausto ou reconfortadoramente
liberal que os eleitores da Academia costumam premiar. Em lugar
disso, é um filme complexo, que
reúne imagens rodadas por Herzog e sua equipe com outras feitas
pelo problemático Timothy
Treadwell, que passou 13 verões
acampado entre os ursos conhecidos como "grizzly bears", no parque Katmai, no Alasca.
Treadwell, antigo viciado que tinha dificuldade em enquadrar-se
na sociedade, via os ursos como
sua salvação e sua família substituta. Filmava os ursos, algumas
raposas e ele mesmo, captando alguns momentos extraordinários
de comportamento dos ursos e
também muitas horas narcisistas.
Nesses trechos, ele compartilha
sua solidão com o espectador, divaga sobre os ursos e faz críticas a
seus supostos inimigos na agência
responsável pelos parques. Diante
da câmera, apresentava-se como
"guerreiro solitário" que defendia
os ursos contra os caçadores ilegais, embora esse risco seja pequeno em Katmai.
Tão acostumados estavam
Treadwell e sua namorada, Amie
Huguenard, a pegar a câmera
quando algum urso se aproximava deles, que um deles já tinha ligado a câmera, mas ainda não retirara a capa da lente, quando um
urso atacou, matou e comeu os
dois em outubro de 2003.
O espectador é informado sobre
a maneira como Treadwell morreu já no início do filme, o que reveste de ironia trágica as imagens
dele dizendo que "morreria por
esses ursos". O drama consiste em
assistir a ele desenrolando sua
história, enquanto entrevistados
explicam a Herzog a seqüência de
erros (como chegar perto demais
dos ursos) que levaram às mortes.
"O que me assombra é que, nos
rostos de todos os ursos que
Treadwell filmou, não discirno
nenhuma proximidade, nenhuma compreensão ou misericórdia", diz Herzog, enquanto na tela
se vê a imagem congelada do rosto de um urso, possivelmente
aquele que acabaria por matar
Treadwell. "Vejo apenas a indiferença avassaladora da natureza.
Para mim, não existe um mundo
secreto dos ursos. Esse olhar vazio
deles revela apenas um interesse
semi-entediado por comida."
Um dos momentos mais poderosos do filme é quando Herzog,
com um fone, ouve uma gravação
da morte de Treadwell e dos gritos
de Amie, observado por Jewel Palovak, amiga e herdeira de Treadwell. Em lugar de tocar a gravação
para o público, Herzog diz a Palovak que ela deveria destruir a fita.
"Foi assustador porque ficou claro de imediato que, em primeiro
lugar, não estávamos fazendo um
"snuff movie" [filme em que as cenas de morte são reais], e, em segundo, que existe algo que é a dignidade e privacidade da morte
das pessoas", diz. "Ficou claro de
imediato que isso não faria parte
de meu filme."
Tradução Clara Allain
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