São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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Infância premiada

Diretor turco leva prêmio máximo em Berlim com história de traços autobiográficos sobre garoto que perde o pai; Semih Kaplanoglu diz que "lançar um filme é como parir"

Markus Schreiber/Associated Press
O diretor Semih Kaplanoglu segura Urso de Ouro por "Bal"; Turquia não vencia havia 46 anos

CRISTINA FIBE
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

"Um filme difícil", nas palavras do diretor, deu à Turquia o Urso de Ouro depois de 46 anos sem o título. "Bal" (mel), de Semih Kaplanoglu, 46, prêmio máximo no 60º Festival de Berlim, encerra uma trilogia que levou o cineasta a Cannes e Veneza, em 2007 e 2008. Sem trilha sonora nem luz artificial, com longas sequências passadas em floresta da Turquia e apoiadas em sons da natureza, conta a história de um garoto solitário, que se dá melhor trabalhando com o pai extraindo mel do que na escola.
Um dia, o pai desaparece, e o menino (Bora Altas -sete anos à época das filmagens), se vê sozinho e com medo de perdê-lo.
Em entrevista à Folha dois dias antes de receber o troféu, Semih disse que o mais importante da premiação "é poder continuar a fazer filmes". "Sou também produtor, roteirista, editor. Ninguém financiaria uma obra como essa na Turquia, porque os filmes comerciais atraem 5 milhões de pessoas, e os meus, 40 mil."

 

FOLHA - Os dois filmes da trilogia não chegaram ao Brasil. Poderia resumir como se relacionam a "Bal"?
SEMIH KAPLANOGLU - Estamos mostrando a trajetória de um poeta. "Yumurta" (ovo), o primeiro, mostra esse poeta aos 40, quando volta à sua cidade natal após a morte da mãe. Ele é um niilista, pode-se dizer que é um perdedor. Ao reviver as memórias desse lugar, passa por um renascimento. No segundo, "Süt" (leite), ele tem 18 anos, vive com a mãe, mas eles não são próximos. Ele escreve os primeiros poemas, tenta publicá-los. Ao descobrir que a mãe tem uma relação com outro homem, decide deixá-la. E "Bal" é a infância desse personagem.

FOLHA - E por que inverter a trilogia, com a infância no final?
SEMIH - Queria despir o meu personagem, revelá-lo. Quis voltar à nascente do rio. Todos somos forçados a voltar ao passado e encarar a nós mesmos. É o que tentei fazer, mas você pode ver na ordem que quiser.

FOLHA - Quanto a trilogia tem de autobiográfica?
SEMIH - Na trilogia como um todo, cerca de um terço das ações tem fundo autobiográfico. Comecei a filmar há quatro anos, depois de terminar os três roteiros. Quando cheguei aos 40, comecei a me perguntar o que já tinha conquistado, por que eu era quem era, e ao mesmo tempo experimentava a sensação de que a minha infância estava irremediavelmente perdida. Queria revivê-la.

FOLHA - O que achou das reações em Berlim? Leu as críticas?
SEMIH - Os filmes que faço não são fáceis de assistir. Estou habituado à ideia de que nem todos irão gostar. Eles têm coisas difíceis, são muito lentos, demandam concentração, e uma coisa que tento fazer é construir silêncio na tela. Isso é algo que alguns vão apreciar e outros vão odiar. É natural. Lançar um filme é como parir uma criança. Mas passar por isso aqui foi bom. Foi um ambiente caloroso, que me relaxou e fez o parto ser menos violento.

FOLHA - Como foi dirigir um garoto de sete anos?
SEMIH - Não tenho fórmula. Mas em 15 minutos cheguei à conclusão de que deveria parar de tratar Bora [Altas] como um garotinho que precisaria de mais atenção do que os outros atores. Embarcamos numa jornada em que, juntos, questionamos a vida dele. Falávamos sobre o que o magoa, do que ele gosta, exploramos o mundo dele. Foi um grande acaso tê-lo encontrado [o diretor o viu brincando na rua], mas tive certeza de que era ele a criança de que precisávamos quando vi a relação de Bora com o pai dele. Usei isso como referência, observei o jeito como se olhavam, percebi que seria autêntico.

Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/100523


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