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Infância premiada
Diretor turco leva prêmio máximo em Berlim com história de traços autobiográficos sobre garoto que perde o pai; Semih Kaplanoglu diz que "lançar um filme é como parir"
Markus Schreiber/Associated Press
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O diretor Semih Kaplanoglu segura Urso de Ouro por "Bal"; Turquia não vencia havia 46 anos
CRISTINA FIBE
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM
"Um filme difícil", nas palavras do diretor, deu à Turquia o
Urso de Ouro depois de 46 anos
sem o título. "Bal" (mel), de Semih Kaplanoglu, 46, prêmio
máximo no 60º Festival de Berlim, encerra uma trilogia que
levou o cineasta a Cannes e Veneza, em 2007 e 2008.
Sem trilha sonora nem luz
artificial, com longas sequências passadas em floresta da
Turquia e apoiadas em sons da
natureza, conta a história de
um garoto solitário, que se dá
melhor trabalhando com o pai
extraindo mel do que na escola.
Um dia, o pai desaparece, e o
menino (Bora Altas -sete anos
à época das filmagens), se vê sozinho e com medo de perdê-lo.
Em entrevista à Folha dois
dias antes de receber o troféu,
Semih disse que o mais importante da premiação "é poder
continuar a fazer filmes". "Sou
também produtor, roteirista,
editor. Ninguém financiaria
uma obra como essa na Turquia, porque os filmes comerciais atraem 5 milhões de pessoas, e os meus, 40 mil."
FOLHA - Os dois filmes da trilogia
não chegaram ao Brasil. Poderia resumir como se relacionam a "Bal"?
SEMIH KAPLANOGLU - Estamos
mostrando a trajetória de um
poeta. "Yumurta" (ovo), o primeiro, mostra esse poeta aos
40, quando volta à sua cidade
natal após a morte da mãe. Ele é
um niilista, pode-se dizer que é
um perdedor. Ao reviver as memórias desse lugar, passa por
um renascimento. No segundo,
"Süt" (leite), ele tem 18 anos, vive com a mãe, mas eles não são
próximos. Ele escreve os primeiros poemas, tenta publicá-los. Ao descobrir que a mãe tem
uma relação com outro homem, decide deixá-la. E "Bal" é
a infância desse personagem.
FOLHA - E por que inverter a trilogia, com a infância no final?
SEMIH - Queria despir o meu
personagem, revelá-lo. Quis
voltar à nascente do rio. Todos
somos forçados a voltar ao passado e encarar a nós mesmos. É
o que tentei fazer, mas você pode ver na ordem que quiser.
FOLHA - Quanto a trilogia tem de
autobiográfica?
SEMIH - Na trilogia como um
todo, cerca de um terço das
ações tem fundo autobiográfico. Comecei a filmar há quatro
anos, depois de terminar os três
roteiros. Quando cheguei aos
40, comecei a me perguntar o
que já tinha conquistado, por
que eu era quem era, e ao mesmo tempo experimentava a
sensação de que a minha infância estava irremediavelmente
perdida. Queria revivê-la.
FOLHA - O que achou das reações
em Berlim? Leu as críticas?
SEMIH - Os filmes que faço não
são fáceis de assistir. Estou habituado à ideia de que nem todos irão gostar. Eles têm coisas
difíceis, são muito lentos, demandam concentração, e uma
coisa que tento fazer é construir silêncio na tela. Isso é algo
que alguns vão apreciar e outros vão odiar. É natural. Lançar um filme é como parir uma
criança. Mas passar por isso
aqui foi bom. Foi um ambiente
caloroso, que me relaxou e fez o
parto ser menos violento.
FOLHA - Como foi dirigir um garoto
de sete anos?
SEMIH - Não tenho fórmula.
Mas em 15 minutos cheguei à
conclusão de que deveria parar
de tratar Bora [Altas] como um
garotinho que precisaria de
mais atenção do que os outros
atores. Embarcamos numa jornada em que, juntos, questionamos a vida dele. Falávamos
sobre o que o magoa, do que ele
gosta, exploramos o mundo dele. Foi um grande acaso tê-lo
encontrado [o diretor o viu
brincando na rua], mas tive certeza de que era ele a criança de
que precisávamos quando vi a
relação de Bora com o pai dele.
Usei isso como referência, observei o jeito como se olhavam,
percebi que seria autêntico.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com.br/100523
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