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Descobriram a América
Museus na Espanha e em Portugal investem em arte latino-americana para reler passado modernista e concretista
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Nem mesmo a neve que caiu
sobre Madri nos últimos dias
fez a Espanha perder a cara de
América Latina que tenta plasmar agora a todo custo. Enquanto a Arco, feira de arte que
terminou ontem na capital espanhola, atravessa uma grave
crise, o circuito de museus na
península ibérica reforça outro
lado da equação.
Se artistas latino-americanos
ainda são presença tímida nas
salas e corredores das mansões
da cidade, suas obras estão em
todos os museus, do Porto até
Barcelona. Em busca de um nicho para chamar de seu, instituições da região competem
com o resto do circuito global
ancorando mostras em torno
de nomes latinos.
Está em cartaz agora em Madri, no Reina Sofía, uma ampla
retrospectiva do argentino
León Ferrari e da brasileira Mira Schendel. Em maio, o museu
abre uma grande exposição que
terá obras de Flavio de Carvalho e de Lina Bo Bardi.
O Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, que recebeu Cildo Meireles no ano passado, abre espaço ao peruano
Armando Andrade-Tudela.
Perto dali, o Instituto Valenciano de Arte Moderna prepara
uma mostra com mais de cem
brasileiros como Vik Muniz,
Ernesto Neto e Carlos Vergara.
Parte da explicação do fenômeno está numa releitura da
linguagem de artistas da região,
revistos à luz das utopias modernistas e de seus desdobramentos concretos.
Enquanto curadores redescobrem esses movimentos, dão
margem à fetichização dessa
arte. Sem uma bienal e em plena decadência de sua maior feira, a Espanha aposta em museus para se reerguer no circuito com nomes da moda.
"Estamos loucos pela América Latina", diz Consuelo Ciscar,
diretora do Instituto Valenciano de Arte Moderna. "A Espanha tem esse papel, é um ponto
de representação mundial para
a arte latino-americana."
No coração do país, o Reina
Sofía tem como meta declarada
realizar pelo menos uma grande exposição por ano com latino-americanos. "Queremos ser
o museu referência para isso na
Europa", afirmou Maria José
Salazar, diretora de patrimônio
do museu, à Folha.
Do outro lado da fronteira,
Ricardo Nicolau, do Museu de
Serralves, no Porto, em Portugal, afirma que está de olho em
artistas emergentes do Brasil.
"Há uma revisão em curso e
um certo fetiche em torno dos
anos 60 e 70", afirma.
Nesse ponto, museus ibéricos aproveitam a brecha das
frágeis relações entre instituições latino-americanas para
incrementar suas coleções e redesenhar parte da história.
"Já houve esse interesse no
passado, mas agora a dinâmica
é outra, com uma vontade de
releitura", resume Mauro Herlitzka, diretor do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. "A Espanha quer se
tornar o país chave para o reposicionamento da arte latino-americana na região."
Mas isso não quer dizer que
vai conseguir. Mesmo com a
euforia, há quem veja nessa
movimentação uma tentativa
desesperada de se reequilibrar
na geopolítica aguerrida das artes visuais.
"São Paulo tem mais chance
do que a Espanha de virar esse
centro", diz Rodrigo Moura,
curador do Instituto Inhotim.
"É natural querer esse papel,
mas eles não estão agora em
condições de ser o centro de
nada. Não é assim tão fácil."
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do
Centro Oficial de Turismo Espanhol
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