São Paulo, segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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Descobriram a América

Museus na Espanha e em Portugal investem em arte latino-americana para reler passado modernista e concretista

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Nem mesmo a neve que caiu sobre Madri nos últimos dias fez a Espanha perder a cara de América Latina que tenta plasmar agora a todo custo. Enquanto a Arco, feira de arte que terminou ontem na capital espanhola, atravessa uma grave crise, o circuito de museus na península ibérica reforça outro lado da equação.
Se artistas latino-americanos ainda são presença tímida nas salas e corredores das mansões da cidade, suas obras estão em todos os museus, do Porto até Barcelona. Em busca de um nicho para chamar de seu, instituições da região competem com o resto do circuito global ancorando mostras em torno de nomes latinos.
Está em cartaz agora em Madri, no Reina Sofía, uma ampla retrospectiva do argentino León Ferrari e da brasileira Mira Schendel. Em maio, o museu abre uma grande exposição que terá obras de Flavio de Carvalho e de Lina Bo Bardi. O Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, que recebeu Cildo Meireles no ano passado, abre espaço ao peruano Armando Andrade-Tudela.
Perto dali, o Instituto Valenciano de Arte Moderna prepara uma mostra com mais de cem brasileiros como Vik Muniz, Ernesto Neto e Carlos Vergara. Parte da explicação do fenômeno está numa releitura da linguagem de artistas da região, revistos à luz das utopias modernistas e de seus desdobramentos concretos.
Enquanto curadores redescobrem esses movimentos, dão margem à fetichização dessa arte. Sem uma bienal e em plena decadência de sua maior feira, a Espanha aposta em museus para se reerguer no circuito com nomes da moda.
"Estamos loucos pela América Latina", diz Consuelo Ciscar, diretora do Instituto Valenciano de Arte Moderna. "A Espanha tem esse papel, é um ponto de representação mundial para a arte latino-americana."
No coração do país, o Reina Sofía tem como meta declarada realizar pelo menos uma grande exposição por ano com latino-americanos. "Queremos ser o museu referência para isso na Europa", afirmou Maria José Salazar, diretora de patrimônio do museu, à Folha.
Do outro lado da fronteira, Ricardo Nicolau, do Museu de Serralves, no Porto, em Portugal, afirma que está de olho em artistas emergentes do Brasil. "Há uma revisão em curso e um certo fetiche em torno dos anos 60 e 70", afirma.
Nesse ponto, museus ibéricos aproveitam a brecha das frágeis relações entre instituições latino-americanas para incrementar suas coleções e redesenhar parte da história. "Já houve esse interesse no passado, mas agora a dinâmica é outra, com uma vontade de releitura", resume Mauro Herlitzka, diretor do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. "A Espanha quer se tornar o país chave para o reposicionamento da arte latino-americana na região."
Mas isso não quer dizer que vai conseguir. Mesmo com a euforia, há quem veja nessa movimentação uma tentativa desesperada de se reequilibrar na geopolítica aguerrida das artes visuais.
"São Paulo tem mais chance do que a Espanha de virar esse centro", diz Rodrigo Moura, curador do Instituto Inhotim. "É natural querer esse papel, mas eles não estão agora em condições de ser o centro de nada. Não é assim tão fácil."

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do Centro Oficial de Turismo Espanhol



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