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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Sururu nas artes plásticas
Patriotada e hipocrisia marcam reações à venda da coleção de arte de Adolpho Leirner para Houston
ESTAVA cheia, na noite de terça,
a galeria Millan, na Fradique
Coutinho. Artistas, colecionadores, escritores, fotógrafos e modernetes foram ver a bela exposição
de fotografias de Miguel Rio Branco.
E só se falava de outra coisa: as reações à venda da coleção de Adolpho
Leirner para o Museu de Belas Artes
de Houston e o arroubo de criatividade do curador Teixeira Coelho e
da cenógrafa Bia Lessa, que decidiram "inovar" na mostra da coleção
de arte do Itaú. Artistas como Paulo
Pasta, Vergara e Antonio Manuel,
que haviam chegado à galeria da Vila
Madalena vindos da exposição da
Paulista, babavam de indignação.
Mas falemos da transferência das
obras de Leirner para Houston, já
que o bafafá do Itaú está relatado aí
acima, na coluna da Mônica Bergamo. A notícia da venda foi publicada
pela Ilustrada, no sábado. Seria
natural -e apropriado- que se lamentasse o fato de esse importante
conjunto de obras do concretismo
e neoconcretismo não ter sido adquirido por um museu brasileiro
ou por um desses institutos culturais financeiros que usam a renúncia fiscal criada pela Lei Rouanet
para fomentar a arte no país.
Mas muito do que se viu nas reações ao anúncio da venda não passou de patriotada preconceituosa,
ressentida e hipócrita. Adolpho
Leirner parece estar sendo culpado por alguns de ser um indivíduo
-ou um "judeu paulista"?- que
passou mais de 40 anos a reunir
obras de nossos artistas construtivistas, formando uma valiosa coleção privada. Valiosa hoje, pois o establishment da arte brasileira passou anos desprezando solenemente o concretismo e ignorando a
grandeza de Hélio Oiticica.
Há anos, a coleção de Leirner,
que foi exposta no MAM de São
Paulo, está à venda. É óbvio que é
preciso criticar a ausência de uma
política de aquisições nos museus
brasileiros. E não tenho dúvida de
que os recursos da Lei Rouanet poderiam ser mais bem utilizados.
Mas o fato é que ninguém quis
pagar o preço do colecionador, até
que o museu de Houston -uma
instituição, diga-se, de alto nível,
focada em arte latino-americana-
interessou-se.
O que queriam os revoltados?
Que Leirner cantasse o hino nacional e enxotasse a pedradas os pretendentes imperialistas?
O mundo está cheio de museus
que reúnem obras relevantes de
artistas de vários países -é conhecido o caso das coleções francesas
do século 19 guardadas na Rússia.
Brasileiros adoram propor leis e
regulamentos, tanto quanto descumpri-los. Há quem simplesmente queira impedir por decreto que
as obras sejam vendidas. Não poderiam sair do país. Que tal, então,
proibir também a participação de
galerias brasileiras em feiras internacionais e -para sermos coerentes- a aquisição de obras de artistas estrangeiros por instituições e
colecionadores brasileiros?
Ou será que só Leirner vende
Hélio Oiticica, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro ou Mira Schendel
para o exterior? E os nossos prestigiados artistas contemporâneos?
Não seria melhor, preventivamente, trancafiá-los por aqui?
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