São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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Comida

O Japão contra-ataca

Governo japonês lança selo de autenticidade para restaurantes nipônicos fora do país e aponta preocupação com qualidade de ingredientes primários, como o arroz e o saquê

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

A notícia de que o governo do Japão iria submeter os restaurantes nipônicos fora do país a um processo de certificação para dizer quais eram verdadeiramente autênticos causou barulho em novembro do ano passado e dividiu opiniões.
Os mais puristas comemoraram, vendo na medida um caminho para preservar a tradição e impedir a descaracterização provocada por invenções improváveis, como os sushis fritos ou feitos com carne-seca.
Por outro lado, temia-se que características incorporadas à comida japonesa em cada país, por limitações no acesso aos ingredientes e adaptação ao gosto local, não fossem levadas em consideração e acabassem prejudicando ou excluindo da lista muitos restaurantes.
Três meses depois, o governo japonês volta a se pronunciar e sinaliza um tom mais ameno. Em um documento divulgado nesta semana, o projeto não é mais chamado de "sistema de certificação", mas de programa de recomendação de restaurantes japoneses fora do país. Os indicados serão contemplados com um selo de autenticidade e com divulgação por meio de um guia e um site.
A carta de propostas agora ressalta que o programa não será impositivo nem excludente. "Os restaurantes de culinária japonesa poderão participar voluntariamente", diz à Folha Atsushi Tabata, vice-cônsul do Japão no Brasil da seção econômica. "Os que receberem a recomendação terão um selo para que os consumidores diferenciem aqueles que são realmente de comida japonesa."
Paris foi a pioneira. Dos 80 restaurantes de culinária japonesa inscritos, 50 foram "recomendados". O programa continuará neste ano em outros países -virá ao Brasil, mas ainda não há uma data definida. Em cada lugar, o governo japonês nomeará um órgão privado, sem fins lucrativos, para cuidar do processo, tendo por base os critérios adotados por uma comissão da qual fazem parte empresários, especialistas do setor e estudiosos. A medida agora implentada pelo Japão já foi adotada por países como Itália e Tailândia.

Arroz, saquê e tempero
O programa elenca algumas diretrizes. Entre elas, estão a qualidade de ingredientes primários da culinária japonesa (o arroz, o saquê e condimentos) e a capacidade de os chefs informarem os clientes sobre a preparação, os ingredientes e os aspectos culturais da culinária.
Esta última recomendação, já praticada em alguns restaurantes de São Paulo, é defendida pelo chef Tsuyoshi Murakami, que reabrirá o restaurante Kinoshita neste semestre.
"Cada vez mais teremos de ser educadores. Temos que usar bom senso e uma psicologia para o bem, para ensinar e falar sobre a história", defende.
Outra novidade não mencionada anteriormente é que fatores como a fusão da culinária japonesa com a cozinha local serão levados em consideração, criando-se categorias como "fusion" e "tradicional". As circunstâncias regionais também terão peso na análise.
"Eles não podem esquecer da cultura local de cada país", defende o chef Adriano Kanashiro, do restaurante Kinu. "Temos que tentar agradar o paladar dos brasileiros, que é diferente dos japoneses", diz Lucien Taira, do Nakombi.
A reinterpretação com base em elementos externos é, aliás, uma das marcas de alguns pratos incorporados ao repertório gastronômico japonês, mas cujas origens remetem a outros países, tais como o guioza (chinês) e o karê (um cozido com curry, um tempero indiano).
"Se os próprios japoneses apropriaram elementos de outras culturas e fizeram uma interpretação, como não vão permitir que outros países façam o mesmo com sua culinária?", defende Michiko Okano, assessora cultural da Fundação Japão, instituição que promoverá hoje à noite um encontro entre Murakami e Kanashiro mediado pelo chef e professor de gastronomia Carlos Ribeiro. Eles debaterão as culinárias tradicional e moderna japonesa.
Partidário da idéia de que cada país tem seu próprio contexto, o chef japonês radicado em São Paulo Shinya Koike, o Shin, defende a difusão das técnicas básicas da culinária japonesa. "Se eles quiserem avaliar a técnica que cada chef possui, aí eu acho válido, porque o nível dos profissionais vai melhorar", diz o chef e proprietário dos restaurantes A1 e Aizomê.

A economia em jogo
O programa não foca apenas o aspecto cultural, de defesa das tradições japonesas, e o cuidado com a imagem de sua culinária. O governo está de olho num mercado em ascensão: existem fora do Japão entre 20 mil e 25 mil restaurantes nipônicos, número que não pára de crescer. O documento afirma que as indústrias agrícola, marinha e alimentícia do Japão estão tentando aumentar as exportações para expandir além do saturado mercado interno.
"O Japão, estrategicamente, começou a valorizar dois segmentos aos quais nunca tinha dado muita importância: a culinária pop, com animes e mangás, e a gastronomia", diz Jo Takahashi, diretor de projetos culturais da Fundação Japão.


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