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Comida
O Japão contra-ataca
Governo japonês lança selo de autenticidade para restaurantes nipônicos fora do país
e aponta preocupação com qualidade de ingredientes primários, como o arroz e o saquê
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
A notícia de que o governo do
Japão iria submeter os restaurantes nipônicos fora do país a
um processo de certificação para dizer quais eram verdadeiramente autênticos causou barulho em novembro do ano passado e dividiu opiniões.
Os mais puristas comemoraram, vendo na medida um caminho para preservar a tradição e impedir a descaracterização provocada por invenções
improváveis, como os sushis
fritos ou feitos com carne-seca.
Por outro lado, temia-se que
características incorporadas à
comida japonesa em cada país,
por limitações no acesso aos ingredientes e adaptação ao gosto
local, não fossem levadas em
consideração e acabassem prejudicando ou excluindo da lista
muitos restaurantes.
Três meses depois, o governo
japonês volta a se pronunciar e
sinaliza um tom mais ameno.
Em um documento divulgado
nesta semana, o projeto não é
mais chamado de "sistema de
certificação", mas de programa
de recomendação de restaurantes japoneses fora do país.
Os indicados serão contemplados com um selo de autenticidade e com divulgação por
meio de um guia e um site.
A carta de propostas agora
ressalta que o programa não será impositivo nem excludente.
"Os restaurantes de culinária
japonesa poderão participar
voluntariamente", diz à Folha
Atsushi Tabata, vice-cônsul do
Japão no Brasil da seção econômica. "Os que receberem a
recomendação terão um selo
para que os consumidores diferenciem aqueles que são realmente de comida japonesa."
Paris foi a pioneira. Dos 80
restaurantes de culinária japonesa inscritos, 50 foram "recomendados". O programa continuará neste ano em outros países -virá ao Brasil, mas ainda
não há uma data definida. Em
cada lugar, o governo japonês
nomeará um órgão privado,
sem fins lucrativos, para cuidar
do processo, tendo por base os
critérios adotados por uma comissão da qual fazem parte
empresários, especialistas do
setor e estudiosos. A medida
agora implentada pelo Japão já
foi adotada por países como
Itália e Tailândia.
Arroz, saquê e tempero
O programa elenca algumas
diretrizes. Entre elas, estão a
qualidade de ingredientes primários da culinária japonesa (o
arroz, o saquê e condimentos) e
a capacidade de os chefs informarem os clientes sobre a preparação, os ingredientes e os
aspectos culturais da culinária.
Esta última recomendação,
já praticada em alguns restaurantes de São Paulo, é defendida pelo chef Tsuyoshi Murakami, que reabrirá o restaurante
Kinoshita neste semestre.
"Cada vez mais teremos de
ser educadores. Temos que
usar bom senso e uma psicologia para o bem, para ensinar e
falar sobre a história", defende.
Outra novidade não mencionada anteriormente é que fatores como a fusão da culinária
japonesa com a cozinha local
serão levados em consideração,
criando-se categorias como
"fusion" e "tradicional". As circunstâncias regionais também
terão peso na análise.
"Eles não podem esquecer da
cultura local de cada país", defende o chef Adriano Kanashiro, do restaurante Kinu. "Temos que tentar agradar o paladar dos brasileiros, que é diferente dos japoneses", diz Lucien Taira, do Nakombi.
A reinterpretação com base
em elementos externos é, aliás,
uma das marcas de alguns pratos incorporados ao repertório
gastronômico japonês, mas cujas origens remetem a outros
países, tais como o guioza (chinês) e o karê (um cozido com
curry, um tempero indiano).
"Se os próprios japoneses
apropriaram elementos de outras culturas e fizeram uma interpretação, como não vão permitir que outros países façam o
mesmo com sua culinária?",
defende Michiko Okano, assessora cultural da Fundação Japão, instituição que promoverá
hoje à noite um encontro entre
Murakami e Kanashiro mediado pelo chef e professor de gastronomia Carlos Ribeiro. Eles
debaterão as culinárias tradicional e moderna japonesa.
Partidário da idéia de que cada país tem seu próprio contexto, o chef japonês radicado em
São Paulo Shinya Koike, o Shin,
defende a difusão das técnicas
básicas da culinária japonesa.
"Se eles quiserem avaliar a técnica que cada chef possui, aí eu
acho válido, porque o nível dos
profissionais vai melhorar", diz
o chef e proprietário dos restaurantes A1 e Aizomê.
A economia em jogo
O programa não foca apenas
o aspecto cultural, de defesa
das tradições japonesas, e o cuidado com a imagem de sua culinária. O governo está de olho
num mercado em ascensão:
existem fora do Japão entre 20
mil e 25 mil restaurantes nipônicos, número que não pára de
crescer. O documento afirma
que as indústrias agrícola, marinha e alimentícia do Japão estão tentando aumentar as exportações para expandir além
do saturado mercado interno.
"O Japão, estrategicamente,
começou a valorizar dois segmentos aos quais nunca tinha
dado muita importância: a culinária pop, com animes e mangás, e a gastronomia", diz Jo Takahashi, diretor de projetos
culturais da Fundação Japão.
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