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Estudo ataca mito da missão francesa
Em "O Sol do Brasil", de Lilia Moritz Schwarcz, trajetória do pintor Taunay evidencia que artistas não foram recrutados
Resultado de oito anos de trabalho, livro mostra que grupo francês teria se autoconvidado para vir ao país na corte de dom João 6º
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
A discussão não é nova. Em
1957, o crítico Mario Pedrosa já
investia contra o confortável
conceito de uma missão francesa oficial que teria trazido para
a corte de dom João 6º artistas
como Debret, Nicolas-Antoine
Taunay e Grandjean de Montigny. Agora, reunindo o trabalho acumulado de pesquisadores e acrescentando novos documentos, a historiadora Lilia
Moritz Schwarcz pretende derrubar definitivamente um dos
mitos fundadores do Brasil.
Nunca houve a famosa "Missão
Francesa".
Encerrando oito anos de trabalho, Schwarcz lança "O Sol do
Brasil", minucioso estudo sobre a difícil e mal compreendida passagem da colônia de artistas franceses pelo Brasil joanino, tendo como fio condutor
a biografia do maior pintor do
grupo: Nicolas-Antoine Taunay (se você pensou em Debret,
se enganou).
Taunay e outros artistas se
autoconvidaram, não foram recrutados, e esse é apenas um
dos mal-entendidos que cercaram esse grupo organizado pelo
influente Joachim Lebreton,
dirigente da academia de artes
francesa.
Ele, como os outros membros da comunidade que registrou em imagens as glórias
francesas no período, caiu em
desgraça e fugia das perseguições que se seguiram à queda
de Napoleão.
Trópicos difíceis
Schwarcz procura explicar os
"trópicos difíceis" de Taunay.
Ela demonstra que a expressão
"missão" só foi introduzida em
1916 por Afonso Taunay (bisneto do pintor) e faz um minucioso levantamento do fascínio
que o Brasil "edênico" exerceu
desde o século 16.
Além do interesse econômico, a força do imaginário paradisíaco levou os franceses a
duas tentativas frustradas de
colonização (a França Antártica no Rio e a França Equinocial
no Maranhão).
Moldados na França revolucionária, preparados para a arte
a serviço do Estado, os artistas
que evitavam a crise durante a
Restauração (dos Bourbons) se
defrontaram no Brasil com
uma sociedade iletrada e de relações precárias, marcada pela
escravidão.
Taunay, o veterano e mais reputado do grupo, já na faixa dos
60 anos quando aqui chegou
em 1816, viu além disso ser
frustrada sua expectativa de dirigir uma futura academia de
belas-artes.
Paisagista refinado, o artista
introduziu com ironia pequenas figuras do cotidiano que faziam o contraponto a um lugar
idealizado. Sempre se sentiu
torturado com a escravidão.
Também com ironia se retratou em alguns quadros como
um pequeno personagem.
"Ele é um rousseauniano,
trabalha com a idéia de que a
natureza civiliza, o que vai emplacar no Segundo Reinado",
diz Schwarcz, autora de "As
Barbas do Imperador" (Prêmio
Jabuti de melhor ensaio em
1999). "Taunay leu todo o pensamento ilustrado e todos os
viajantes. Mas se desanima totalmente. É um pintor que representa um drama, carrega
um paradoxo", afirma.
O velho e o novo mundo
O livro pretende mostrar que
o artista desenvolveu alegoricamente o diálogo entre o velho
e o novo mundo, foi uma figura
ambígua que encarnou uma
certa incompreensão entre os
dois universos.
"Como o Frans Post, ele mostra os escravos de maneira diminuta. Por mais que seja uma
imagem pacífica, ele cria nos
detalhes pequenas subversões
da hierarquia", afirma a autora.
No Brasil, Taunay tentou
adaptar a paisagem tropical aos
seus códigos forjados no neoclassicismo, na tradição paisagística e na sua passagem como
pensionista em Roma. Nunca
se desligou da França e mandava suas pinturas aos salões oficiais. Mas os trópicos de Taunay não foram bem compreendidos na Europa.
Quando voltou ao seu país
(em 1821), o romantismo estava
em ascensão, e novamente
Taunay ficou deslocado, ainda
que tenha se reintegrado à academia, da qual de fato nunca se
desvinculou.
Foi com a sua família, curiosamente, que ele cumpriu sua
missão no Brasil. Quatro filhos
permanecerem e deixaram
descendentes (como o o já citado historiador Afonso Taunay).
Um dos filhos, Félix, acabou
ocupando cargo proeminente
na Academia Imperial de Belas
Artes.
Outro deles, Adrien, foi desenhista e ocupou importante papel na iconografia deixada pela
expedição Langsdorff, nos anos
1820, antes de morrer afogado.
O SOL DO BRASIL
Autora: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 55 (400 págs.)
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