Jornalista lança livro instigante sobre funcionamento da máquina climática

CARLOS NOBRE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na introdução, o autor Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha, nos avisa de que não se trata de obra para educação ambiental ou um chamado à conscientização. Mas mesmo sem explicitamente desejá-lo, consegue produzir uma obra com enorme valor para a educação ambiental e para o aumento da consciência sobre a gravidade e seriedade do aquecimento global de origem antropogênica e das mudanças climáticas decorrentes.
A série "Folha Explica" tem a missão de trazer, em linguagem acessível, assuntos científicos complexos. Este livro atinge este objetivo com folga. Produziu-se um texto extremamente instigante e agradável de ler, buscando se manter fiel ao melhor do conhecimento científico atual sobre o funcionamento da complexa máquina climática do planeta.
Uma linha condutora do livro é normativa e pode ser ilustrada pela afirmação algo forte: "[A]bandonar o vício da economia global nos combustíveis fósseis no prazo que a estabilização do clima exige será o maior desafio que a humanidade já precisou enfrentar coletivamente". Esta tese é bem defendida em todo o texto, não deixando de fora a contribuição do Brasil para vencer este desafio-diminuição dos desmatamentos da Amazônia e aceleração do uso de energias renováveis, inclusive os biocombustíveis como alavancas do desenvolvimento brasileiro.

Opiniões fortes
O autor não é econômico em opiniões fortes. A posição conservadora dos governos Bush sênior e Bush Jr. nas questões do aquecimento global é repetidamente contestada com abundância de argumentos, argumentos convincentes, deve-se dizer. No Brasil, o autor ataca o modelo de desenvolvimento da Amazônia ("Por onde quer que se o tome, o desmatamento é um mau negócio para o país. E para o planeta"). A ciência amazônica e o contexto ambiental do desenvolvimento da região têm sido um dos temas prediletos do autor na sua atividade jornalística e esta experiência e conhecimento profundos, ao mostrar a Amazônia, e mais genericamente o Brasil, como carrasco e vítima do aquecimento global, são um dos pontos fortes do livro.
O livro não está isento de alguns deslizes, principalmente em explicações físicas da dinâmica climática. O forçamento dos gases de efeito estufa é radiativo e não "radioativo". As águas das correntes oceânicas que afundam no norte do Atlântico, dando origem à corrente termohalina, são mais salgadas, e portanto, mais densas e não "bem menos" salgadas. Na mesma página, o aquecimento do norte da Europa de 5ºC é atribuído exclusivamente às correntes oceânicas quentes que levam calor àquelas altas latitudes, porém, na realidade, correntes atmosféricas respondem por 50% daquele transporte de calor.
A refletividade do gelo marinho é alta, mas não é de 90% e a água do mar absorve mais de 90% da radiação incidente e não 80% (pág. 72). Por último, se todo o carbono armazenado nos ecossistemas amazônicos fosse parar na atmosfera e lá permanecesse, a concentração de dióxido de carbono subiria em torno de 60 partes por milhão e não 300 partes por milhão (pág. 73).
Entretanto, estas pequenas imperfeições não retiram o brilho deste pequeno e valioso livro que propiciará horas de agradabilíssima leitura e uma riqueza de conhecimentos.