São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2011

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Napo tenta resgatar laços com a Argentina

Desenhista retorna ao país natal, onde nunca se sentiu compreendido, para comemorar os 50 anos de carreira

Exilado em Paris desde 1975, artista construiu carreira na Europa, assinando em veículos como o "Le Monde"

LUCAS FERRAZ
DE BUENOS AIRES

Ao encerrar sua segunda exposição na Argentina em 50 anos de carreira, no início deste mês, o pintor e desenhista argentino Napo se deu por satisfeito: conseguiu o objetivo, segundo disse, de tornar-se menos incompreendido.
Napo deixou a Argentina há 35 anos num momento político conturbado, mas o motivo principal, como conta, foi a incompreensão de sua obra.
"Meu trabalho sempre foi muito contestado. Diziam que meus desenhos não eram para a Argentina".
Expoente de uma geração de desenhistas de humor que surgiu no país nas décadas de 1950 e 1960, Napo -nome de guerra de Antonio Mogiello, 69 anos- se mudou da Argentina em 1975, meses antes do golpe militar de março de 1976 que instaurou uma das ditaduras mais bárbaras do Cone Sul.
Desde então está radicado em Paris, de onde construiu uma das carreiras de maior prestígio na Europa.
Mas na sua Argentina natal, ele praticamente desapareceu: não publica desenho algum há décadas. "As pessoas aqui até pensam que eu morri", afirma ele.
Influenciado pelo desenhista Saul Steinberg, o argentino desenhou para várias editoras e publicações europeias, como as francesas "Lui", "L'Express" e principalmente "Le Monde", jornal em que trabalhou de 1982 a 2007 e para o qual colabora ainda hoje.
Ganhou prêmios em salões de humor pelo mundo e seus desenhos em aquarela, bastante coloridos, também foram publicados na prestigiosa revista norte-americana "New Yorker", onde Steinberg, seu ídolo, foi rei.

ESQUECIMENTO
Contemporâneo de Quino e Sábat, os nomes mais consagrados do humor gráfico da Argentina, Napo começou a publicar seus desenhos em 1961 na "Tia Vicenta".
A revista, ao lado da "Caras y Caretas" e depois a "Satiricón", foi uma das mais importantes publicações da imprensa alternativa do país na época.
"A Argentina tinha um movimento cultural impressionante, mas infelizmente a ditadura acabou com tudo", diz Napo.
O desenhista conta que até tentou voltar para o país, em 1984, após o período ditatorial. "Mas eu estava totalmente deslocado, não conseguia nem conversar com as pessoas".
"Realmente é um mistério, não dá para entender o que aconteceu com ele", disse Sábat à Folha.
Napo não disfarça o ressentimento. Reclama do empobrecimento cultural do país, das pessoas falando alto nas ruas e do lixo nas calçadas. Por fim, diz que as publicações argentinas só querem a caricatura.

GOLPES
"Tradicionalmente, o humor argentino sempre foi muito ligado a assuntos políticos. Minha visão é outra, não gosto de ficar tão preso a uma temática", comenta.
"E já virou moda, o desenho precisa de todo jeito golpear o espectador. Sou pacifista. Estou muito mais interessado no riso e na ironia do que no sorriso".
A pedido do desenhista, a reportagem da Folha o encontrou em Buenos Aires no Centro Cultural da Recoleta, onde estava armada sua exposição que recorria toda a carreira, inclusive seus últimos trabalhos sobre o tango, publicados em livro na França, em 2007.
"Durante o período da exposição, vinha para cá todas as tardes. Ficava aqui olhando, observando as expressões e olhares das pessoas", afirma o desenhista.
Conversava com muitas delas. Percebi, finalmente, que meu trabalho não era incompreensível para os argentinos. Ainda há tempo para reconciliação", conclui Napo.


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