São Paulo, segunda-feira, 22 de abril de 2002

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CINEMA

"Carandiru", longa que Hector Babenco está filmando, aborda a lógica das relações, no presídio onde houve o massacre de 92

Ética do cativeiro

André Sarmento/Folha Imagem
No set de "Carandiru", nos estúdios Vera Cruz, a filmagem da cena do massacre de 111 presos, durante invasão da PM ao pavilhão 9


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na última quinta, São Bernardo do Campo recuou 3.485 dias no tempo. No interior dos estúdios Vera Cruz, um Carandiru cenográfico reviveu o massacre de 111 presos, em 2 de outubro de 92.
Desta vez, os corpos que tombam seguem respirando, os estampidos volumosíssimos não são tiros de verdade e o vermelho que tomou os corredores do "presídio" não é sangue. Mas o "corta" do cineasta Hector Babenco só se fez ouvir quando a cena pareceu convincentemente real.
Era o quarto take, e um dos integrantes da equipe -que gira em torno de 130 pessoas- suspirava, cabeça entre as mãos, ante a possibilidade de uma nova repetição. "Quem mandou não estudar para fazer coisa mais séria? Ou por que não foi ser ministro", ironizou Babenco. O diretor está bem-humorado, e isso não é uma constante.
Estamos na 12ª semana de filmagens e há apenas mais nove dias pela frente, para concluir a captação de imagens do longa baseado em "Estação Carandiru", do médico Drauzio Varella, colunista da Folha.
Cinco semanas de filmagens transcorreram dentro do verdadeiro Carandiru, e não em seu duplo cenográfico. Uma edição especial da "Vira-Lata" (HQ criado para a campanha de prevenção à Aids na Casa de Detenção) anunciou aos internos o projeto.
"Eles ficaram sabendo que os manos que vinham fazer o filme se baseavam no livro do dr. Drauzio. Que o cara que ia dirigir era gringo, mas tinha o coração brasileiro. É o que fez "Pixote" e "Lúcio Flávio". Não tivemos um atrito. Fomos respeitados do início ao fim", diz o argentino Babenco.
O diretor que realizou também "Ironweed" e "O Beijo da Mulher-Aranha" assegura que "nunca tinha feito um filme tão complexo" e supõe que essa seja "a produção mais difícil realizada no Brasil".
"É um filme gigante, com efeitos especiais, um casting enorme, 18 atores em papéis principais. Você trabalha hoje com dois atores e só vai vê-los de novo em dez dias. É complicado dar continuidade à linha de interpretação." O orçamento é de R$ 12 milhões.
No elenco estão nomes como Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Milton Gonçalves, Caio Blat, Luiz Carlos Vasconcelos e Dionísio Neto, como Drauzio.
Se ao espectador fosse dado ver um "making of" do filme, o centro da trama seria a relação do médico com o cineasta.
"O que me interessou, mais que o conteúdo, foi eu ter visto a gestação desse livro. O Drauzio ter sido meu médico pessoal, alguém tão importante na minha vida nos últimos 15 anos. Eu tê-lo visto entrar no Carandiru para fazer medicina e, aos poucos, ser invadido por aquele universo e transmutar o entusiasmo numa narração."
"E essa narração ter se transformado num livro, que fui ouvindo à noite, pelo telefone, semanalmente. Fazer esse filme é como se um irmão prostrado, em convalescência, visse o outro trabalhar e assumisse uma espécie de transferência. Estou querendo retomar onde ele parou. Ele terminou o livro e o lançou. Estou pegando o livro e fazendo um filme."


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