São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

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Bola em jogo

Próximo de concluir "Linha de Passe", que explora o universo do futebol, Walter Salles fala à Folha sobre os novos projetos, que incluem adaptações de livros de Jack Kerouac e Juan José Saer

Daniela Thomas/Divulgação
Vinícius de Oliveira (o primeiro à esq.) e outros atores em cena de "Linha de Passe'


SYLVIA COLOMBO
EM BUENOS AIRES

O cineasta Walter Salles, 52, está prestes a dar o pontapé inicial do que promete ser um ano agitado. Enquanto conclui "Linha de Passe", longa que fica pronto em junho e estréia no Brasil no final de agosto; e o documentário "À Procura de "On the Road'", sobre a geração beat, que finaliza em outubro, o diretor de "Central do Brasil" (1998) e "Diários de Motocicleta" (2004) já tem dois outros projetos engatados.
Um é o filme "On the Road", adaptação do livro de Jack Kerouac (1922-1969), que começa a rodar em 2009. O outro também parte de uma obra literária -"O Enteado", romance do argentino Juan José Saer (1937-2005) que explora um episódio real. No século 16, a esquadra do navegador Juan Díaz de Solís desbravava o Rio da Prata quando, numa parada, os tripulantes foram devorados por índios antropófagos, à exceção de um grumete de 14 anos, que passou a viver com os nativos. Salles disse que foi tomado pelo livro por conter "algo fascinante: o embate entre o mundo selvagem e o dito civilizado. No final das contas, qual é qual?".
Já a conclusão de "Linha de Passe" põe fim a um drama vivido por ele e Daniela Thomas, com quem divide direção e roteiro. Em 2006, um dos também roteiristas, João Emanuel Carneiro, foi acusado de usar personagens do filme para criar os de sua novela global "Cobras & Lagartos". À época, a Globo considerou o caso um "mal-entendido" e chegou a regravar algumas cenas. Bráulio Mantovani ("Tropa de Elite") foi então integrado à equipe para fazer as mudanças necessárias na história original.
À Folha o cineasta diz que "Linha" é um filme sobre a "frátria possível", pois explora o tema da ausência do pai, que considera "um dos fatores explicativos do Brasil contemporâneo". No elenco de jovens atores está Vinícius de Oliveira, protagonista de "Central", que agora aparece como aspirante a jogador de futebol. A já tradicional parceria com Daniela Thomas é retomada nessa obra em que o improviso nos diálogos e nas filmagens foi essencial. Leia trechos a seguir.  

FOLHA - Como é "Linha de Passe"?
WALTER SALLES
- Como trata de cinco personagens principais, quatro irmãos e uma mãe grávida de um quinto filho, o roteiro, escrito por Daniela Thomas, George Moura e Bráulio Mantovani, segue diversos pontos de vista. A idéia nasceu de dois documentários do meu irmão João Moreira Salles. O primeiro sobre jovens que tentam entrar em times de futebol de segunda divisão, o outro sobre o fenômeno das igrejas evangélicas no Brasil.

FOLHA - O tema da "ausência do pai" surgiu ao longo dos seus filmes ou é algo que já fazia parte de suas preocupações desde o começo? A sua experiência com relação à morte de seu pai influencia?
SALLES
- A questão da ausência do pai precede a morte do meu pai [o banqueiro Walter Moreira Salles, morto em 2001]. Ela já está em "Terra Estrangeira" [1996], continua em "Central" e, agora, em "Linha de Passe". Pais desconhecidos ou que partiram são recorrentes no Brasil. Um dos personagens é inspirado no caso real de um menino que passou anos procurando pelo pai, sobre o qual só sabia que era negro e motorista de ônibus. Roubou um ônibus e partiu por São Paulo, para chamar a atenção do pai ausente.

FOLHA - O Brasil é o país do futebol, porém, não há bons filmes sobre o tema. "Linha" não é especificamente sobre isso, mas você tem uma explicação sobre a razão de ser tão difícil para nós, brasileiros, desenvolvermos o assunto no cinema, na literatura, etc.?
SALLES
- Para começar, é dificílimo filmar futebol. É o oposto do boxe, que é um esporte essencialmente fílmico. São apenas dois personagens num espaço limitado. No futebol, são 22 jogadores em movimento no campo. Procuramos filmá-lo de forma livre, espontânea. O fato de o Vinícius jogar tão bem foi fundamental.

FOLHA - Esse modo "livre" de trabalhar nasce de um enfado com o modo de se fazer cinema hoje? O improviso dá mais legitimidade a uma produção?
SALLES
- Cada filme é um filme. Os irmãos Coen trabalham de forma precisa, milimétrica, planejando cada plano com antecedência. Já Paul Thomas Anderson descobre tudo na hora, não marca os atores, deixa-os evoluir livremente. E os últimos filmes de ambos são ótimos. No nosso caso, como estávamos trabalhando com jovens, fazia sentido buscar algo mais solto.


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