São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

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Crítica/teatro/ "O Bem Amado"

Com Nanini, adaptação da peça de Dias Gomes é TV ao vivo

Platéia é solicitada a se converter em claque de auditório, vaiando e aplaudindo

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Dias Gomes construiu sua carreira de dramaturgo driblando a censura com fábulas metafóricas e, a partir de 1969, como também fizeram Jorge Andrade e Vianinha, adaptando-se à linguagem da televisão. Responsável direto pelo prestígio internacional da teledramaturgia brasileira, "O Bem Amado" é um marco da televisão brasileira, embora originalmente escrito para os palcos.
Transformadas em novela em 1973, as aventuras do prefeito corrupto Odorico Paraguaçu, querendo inaugurar o cemitério de sua cidade, lançaram a televisão colorida e apresentaram Lima Duarte para o grande público, em um papel que o marca até hoje: o cangaceiro Zeca Diabo, contratado para produzir um defunto. Em 1980, "ressuscitado" em um seriado que durou até 1985, Paraguaçu manteve a função de ser um espelho deformante da caricata política brasileira.

Teatro de revista
Produzida por Guel Arraes, camaleão de mídia da nova geração, que também assina a adaptação com Cláudio Paiva, essa versão se mantém fiel a este espírito do teatro de revista: toca com bom humor em temas eternos, como as invasões do MST e a polícia assassina, as pizzas das CPI e a longa lista de mazelas que mais divertem do que provocam indignação, no país de Mão Santa e Severino Cavalcanti.
Esse humor, que questiona sem ferir, foi feito sob medida para Marco Nanini e para seu público fiel, que o conhece sobretudo da televisão. A impressão de televisão ao vivo predomina desde as primeiras cenas, com a solicitação explícita para que a platéia se converta em claque de auditório, vaiando e aplaudindo a cada tirada. A platéia não se faz de rogada, claro, encantada pelo timing e pelo cinismo de Nanini, que torna claro o maquiavelismo do seu personagem.
A onipresença de Nanini, reforçada pelo voluntariamente kitch e excessivo cenário de Gringo Cardia, satiriza bem o egocentrismo do político brasileiro, mas compromete o equilíbrio do espetáculo. A narrativa, bem construída pela hábil carpintaria de Dias Gomes, é sacrificada pelos bordões, a verve barroca de Paraguaçu, e a passagem de uma cena para outra é feita por vinhetas meramente decorativas, que parecem cobrir o intervalo comercial.

Coadjuvantes ofuscados
Enrique Diaz é um dos principais diretores brasileiros, e sua Companhia dos Atores tem prestígio mundial com espetáculos que tratam Shakespeare e Tchekhov de igual para igual.
Aqui, são coadjuvantes que se apagam para não ofuscar a atração principal. Voluntariamente medíocres, divertindo-se com estereótipos, mas cuidando para não roubar o cartaz de Nanini, não fazem um trabalho representativo do grupo, para dizer o menos.
Por outro lado, Nanini não precisa da companhia para brilhar sozinho -e não parece disposto a abrir mão disso. Fez por merecer um público fiel e não precisa se arriscar mais.
A platéia veio para se divertir e se diverte. A Companhia dos Atores atinge um público que normalmente não atingiria, mesmo que para isso sacrifique momentaneamente o seu projeto original. A pizzaria continua vendendo pizzas, e não há nada que o crítico possa acrescentar.


O BEM AMADO
Adaptação:
Guel Arraes e Cláudio Paiva
Direção: Enrique Diaz
Com: Marco Nanini, Bel Garcia, Susana Ribeiro, Raquel Rocha e Marcelo Olinto
Onde: Sala Esther Mesquita - teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, Consolação, tel. 0/xx/11/3258-3595)
Quanto: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 27/7
Quanto: R$ 25 a R$ 100
Avaliação: regular


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