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Crítica/teatro/ "O Bem Amado"
Com Nanini, adaptação da peça de Dias Gomes é TV ao vivo
Platéia é solicitada a se converter em claque de auditório, vaiando e aplaudindo
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Dias Gomes construiu
sua carreira de dramaturgo driblando a censura com fábulas metafóricas e,
a partir de 1969, como também
fizeram Jorge Andrade e Vianinha, adaptando-se à linguagem
da televisão. Responsável direto pelo prestígio internacional
da teledramaturgia brasileira,
"O Bem Amado" é um marco da
televisão brasileira, embora
originalmente escrito para os
palcos.
Transformadas em novela
em 1973, as aventuras do prefeito corrupto Odorico Paraguaçu, querendo inaugurar o
cemitério de sua cidade, lançaram a televisão colorida e apresentaram Lima Duarte para o
grande público, em um papel
que o marca até hoje: o cangaceiro Zeca Diabo, contratado
para produzir um defunto. Em
1980, "ressuscitado" em um seriado que durou até 1985, Paraguaçu manteve a função de ser
um espelho deformante da caricata política brasileira.
Teatro de revista
Produzida por Guel Arraes,
camaleão de mídia da nova geração, que também assina a
adaptação com Cláudio Paiva,
essa versão se mantém fiel a este espírito do teatro de revista:
toca com bom humor em temas
eternos, como as invasões do
MST e a polícia assassina, as
pizzas das CPI e a longa lista de
mazelas que mais divertem do
que provocam indignação, no
país de Mão Santa e Severino
Cavalcanti.
Esse humor, que questiona
sem ferir, foi feito sob medida
para Marco Nanini e para seu
público fiel, que o conhece sobretudo da televisão. A impressão de televisão ao vivo predomina desde as primeiras cenas,
com a solicitação explícita para
que a platéia se converta em
claque de auditório, vaiando e
aplaudindo a cada tirada. A platéia não se faz de rogada, claro,
encantada pelo timing e pelo
cinismo de Nanini, que torna
claro o maquiavelismo do seu
personagem.
A onipresença de Nanini, reforçada pelo voluntariamente
kitch e excessivo cenário de
Gringo Cardia, satiriza bem o
egocentrismo do político brasileiro, mas compromete o equilíbrio do espetáculo. A narrativa, bem construída pela hábil
carpintaria de Dias Gomes, é
sacrificada pelos bordões, a
verve barroca de Paraguaçu, e a
passagem de uma cena para outra é feita por vinhetas meramente decorativas, que parecem cobrir o intervalo comercial.
Coadjuvantes ofuscados
Enrique Diaz é um dos principais diretores brasileiros, e
sua Companhia dos Atores tem
prestígio mundial com espetáculos que tratam Shakespeare e
Tchekhov de igual para igual.
Aqui, são coadjuvantes que se
apagam para não ofuscar a
atração principal. Voluntariamente medíocres, divertindo-se com estereótipos, mas cuidando para não roubar o cartaz
de Nanini, não fazem um trabalho representativo do grupo,
para dizer o menos.
Por outro lado, Nanini não
precisa da companhia para brilhar sozinho -e não parece disposto a abrir mão disso. Fez por
merecer um público fiel e não
precisa se arriscar mais.
A platéia veio para se divertir
e se diverte. A Companhia dos
Atores atinge um público que
normalmente não atingiria,
mesmo que para isso sacrifique
momentaneamente o seu projeto original. A pizzaria continua vendendo pizzas, e não há
nada que o crítico possa acrescentar.
O BEM AMADO
Adaptação: Guel Arraes e Cláudio Paiva
Direção: Enrique Diaz
Com: Marco Nanini, Bel Garcia, Susana
Ribeiro, Raquel Rocha e Marcelo Olinto
Onde: Sala Esther Mesquita - teatro
Cultura Artística (r. Nestor Pestana,
196, Consolação, tel. 0/xx/11/3258-3595)
Quanto: sex. e sáb., às 21h; dom., às
18h; até 27/7
Quanto: R$ 25 a R$ 100
Avaliação: regular
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