São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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Vanzolini ganha homenagem aos 85

Filme, shows e debates comemoram aniversário do compositor, nesta semana; "Não gosto de homenagens", avisa ele

Autor de clássicos do samba paulistano e zoólogo por profissão, Paulo Vanzolini fala de suas canções e de suas pesquisas sobre répteis


Divulgação
Paulo Vanzolini e a cantora Ana Bernardo em cena do documentário musical "Um Homem de Moral"

IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Compositor, cantor, sambista, músico, poeta. Nada disso descreve o paulistano Paulo Vanzolini como ele gostaria.
Zoólogo? Aí, sim. Cientista? Certo. Teórico da biodiversidade? Agora estamos chegando lá.
"O que você tem que entender, meu amigo, é que sou zoólogo", diz ele no documentário "Um Homem de Moral", de Ricardo Dias, que tem pré-estreia hoje no Espaço Unibanco, com promoção da Folha.
"Nunca fiz música profissionalmente. Nunca quis perder tempo nisso, porque nunca considerei minha profissão", diz Vanzolini, formado em medicina pela USP e com doutorado em biologia em Harvard.
São essas as credenciais que lhe interessam, não o fato de ter composto clássicos do samba paulistano como "Ronda" ("De noite, eu rondo a cidade, a lhe procurar, sem encontrar) e "Praça Clóvis" ou de ter inventado a expressão que dá título a "Volta por Cima" ("Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima"). Vanzolini trabalhou por mais de 50 anos no Museu de Zoologia da USP e foi diretor da instituição entre 1962 e 1993, quando se aposentou.
Mas, como não o deixam em paz com seus répteis, o teórico da biodiversidade, que faz 85 no sábado, vai enfrentar uma bateria de homenagens nesta semana.
"Não gosto de homenagens", reclama. "Mas de show eu gosto", concede. "Pego uma cerveja e sento na mesinha da frente. Adoro", contou à Folha na entrevista a seguir.

 

FOLHA - O senhor fazia a ronda em São Paulo quando compôs "Ronda". O senhor era cabo da polícia...
PAULO VANZOLINI
- Polícia, não. Da polícia foi o Nelson Cavaquinho. Eu era da cavalaria, que era a polícia do Exército. Mas a patrulha era a pé. A gente patrulhava a pé o baixo meretrício, o Bom Retiro, o centro, a região da São João.

FOLHA - E se inspirou assim?
VANZOLINI
- Cansei de ver mulher chegar na frente do bar, olhar para dentro como se procurasse alguém e ir embora. Não foi uma só que vi. Escrevi sobre isso.

FOLHA - E quanto a "Volta por Cima"? Qual é a história por trás da composição?
VANZOLINI
- Não tem. Fiz porque fiz. Tem até uma história de que fiz porque perdi um filho num acidente. Mas, na verdade, fiz a música antes.

FOLHA - O senhor ainda compõe?
VANZOLINI
- Larguei. Fazia música por prazer. Perdi o gosto. Eu estava em Mato Grosso, na década de 80, e fiz a última, "Quando Eu For, Eu Vou Sem Pena". É muita mão de obra. Ficava seis meses para resolver uma rima...

FOLHA - E o que o senhor está fazendo atualmente?
VANZOLINI
- Difícil explicar. Fiz recentemente um trabalho sobre cascavéis e alguma coisa em cima de relatórios de impactos ambientais.

FOLHA - O senhor ganhou dinheiro com música?
VANZOLINI
- Dinheiro, só ganhei com "Volta por Cima". Foi a única. Não sei por quê, deu uma enxurrada de dinheiro. Foi em 1959, 1960. Comprava livro sem ver o preço. Sempre coloquei tudo o que ganhei na biblioteca que tinha na minha sala do museu. Agora doei tudo para o museu.

FOLHA - Por que quis ser zoólogo?
VANZOLINI
- Pelos répteis. Fui ao Butantan menino e gostei muito dos répteis.

FOLHA - Quais répteis?
VANZOLINI
- Répteis só existem quatro: tartaruga, jacaré, lagarto e cobra.

FOLHA - Nunca trabalhou com sapos e rãs?
VANZOLINI
- Sapo, não, graças a Deus.

FOLHA - Seu maior orgulho é musical ou científico?
VANZOLINI
- Não tenho orgulho. Tenho satisfação. Trabalhei em todos os Estados do Brasil. Tive um barco no Amazonas.

FOLHA - Qual é a maior satisfação?
VANZOLINI
- É a teoria dos refúgios. Sobre ciclos de vegetação no Amazonas. O clima fica mais seco, depois mais úmido, e acaba criando "ilhas" de vegetação sem contato umas com as outras. O lagarto fica ali e vai se diferenciando. Quando o clima permite que as ilhas se juntem de novo, os lagartos já não conseguem procriar. Já são espécies diferentes.

FOLHA - Que lagarto foi esse que o senhor estudou?
VANZOLINI
- O lagarto anolis. Mas fui o segundo. Um alemão, estudando pássaros, publicou três meses antes os mesmos resultados. Estava escrevendo o meu artigo quando chegou a revista "Science" com o dele.

FOLHA - Que tragédia!
VANZOLINI
- Mas o meu é original. Não usei o dele. Tenho enorme satisfação por esse trabalho. Fiz em conjunto com Ernest Williams, cientista americano. E continuei trabalhando até 2004, quando saí do museu.
Tive quatro úlceras hemorrágicas e três infartos na mesma noite. Ouvi os enfermeiros falando: "O velhinho não passa dessa noite". Fiquei com 30% da capacidade do coração.

FOLHA - E o que senhor acha dessas homenagens nesta semana?
VANZOLINI
- Não gosto de homenagem. Mas gosto de show. Pego minha cervejinha e sento na mesa ali na frente. Adoro.

FOLHA - Cerveja com ou sem álcool?
VANZOLINI
- Com. Isso os médicos ainda não tiraram.


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