São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2011

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Paixão da periferia

Sem a fama nem o dinheiro das superproduções do Nordeste, encenações da Paixão de Cristo se multiplicam em São Paulo

Caio Guatelli/Folhapress
Maria entre fiéis do Jardim Santa Cruz, zona norte;em primeiro plano, o demônio chamado Tentação da Carne

GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No fim do ano passado, o professor Cleber Moraes, 31, reuniu 60 pessoas no salão de 80 m2 da paróquia Cristo Ressuscitado. Preocupado, ele anunciou: "Gente, precisamos de um Cristo".
Não era de um novo messias que Cleber estava falando. O grupo só precisava de alguém que topasse ser açoitado e crucificado em praça pública, sobre um palco instalado em Jardim Santa Cruz, zona norte de São Paulo.
Cleber é diretor de uma típica encenação de "A Paixão de Cristo" da periferia de São Paulo. Lidera há quatro anos uma montagem em que as palavras "imagem e semelhança" não têm o mesmo valor da expressão "physique du role": saiu de cena um ator careca, ocupou o trono um outro negro.
Os R$ 2.000 reunidos para a produção contrastam com as gigantes nordestinas, como a "Paixão de Cristo de Nova Jerusalém" (PE), a mais cara do país. A famosa montagem pernambucana, que tem o global Thiago Lacerda no papel principal, custa cerca de R$ 5 milhões e tem cinco patrocinadores.
No Jardim Santa Cruz, os recursos são levantados somente com doações de fiéis.
O número de pessoas interessadas também cresceu, tanto na plateia como no palco. No ano passado, Cleber estima que 1.800 pessoas tenham assistido à montagem.

COMO CAMELÔS
Com o sucesso, moradores do bairro começaram a procurar a paróquia, em busca de um ponta que fosse.
A atendente de telemarketing Thais Souza de Oliveira, 19, interpreta uma das duas Marias Madalenas. "Eu sou "a" apedrejada", conta. "A outra chama Madalena mesmo, mas "a" pecadora sou eu", gaba-se.
Além de participar dos ensaios, que desde o início do ano acontecem todos os domingos no salão da paróquia, os atores procuram fazer uma pesquisa pessoal para desenvolver seus papéis. "Eu, por exemplo, passei dias assistindo no YouTube como é que outras atrizes interpretam", conta Thais.
Para compor a cena em que Cristo entra em Jerusalém, outro truque: Cleber orientou seus figurantes a agir como camelôs da rua 25 de Março. "Daí aparece um figurante gritando "Olha o CD, olha o DVD" e você tem que falar "amigo, naquela época não existiam essas coisas'", conta o diretor.
A exemplo da montagem do Jardim Santa Cruz, outras produções têm conquistado espaço principalmente em regiões periféricas da região metropolitana. Segundo a Cúria de São Paulo, no entanto, não é possível fazer uma contagem.
Em Barueri, um grupo da Paróquia São João Baptista fez, há quinze anos, sua primeira Paixão de Cristo, também com custo zero.
Um ano depois, a encenação ocupou uma praça. E, há cinco anos, passou para o Teatro Municipal de Barueri, cheia de efeitos visuais e sonoros, com custo em torno de R$ 30 mil.

CARRO DE SOM
Na zona leste, a paróquia Divino Espírito Santo também conduz uma cerimônia há sete anos, só que em forma de procissão. O espetáculo passa por três bairros.
Um carro com uma caixa de som acoplada, segue o espetáculo, e dali saem as vozes dos atores, que usam microfones sem fio.
Cristo vai na frente, carregando a cruz, açoitado por soldados romanos, que jogam nele uma espécie de tinta vermelha. No fim da via crúcis, ele está ensanguentado. Como manda o figurino.


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