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LIVRO
Don Juan internauta é provinciano e vulgar
CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Q ual o próprio cavalheiro
sevilhano, Don Juan tem-se
mantido ao longo dos séculos como um mito sedutor, sobretudo
para os homens: qual nunca sonhou ser o conquistador aos pés
de quem as mais belas mulheres
se atiram, vítimas de irresistível
atração?
Não bastasse a sobrevivência no
imaginário masculino, o arquétipo do donjuanismo foi explorado
à exaustão em ópera, teatro, cinema, psicanálise e em livros, por
meio de romances ou ensaios
-sem contar as alusões indiretas
ou apenas inspiradas nele.
Experimente entrar em um site
de busca de livros na Internet:
mais de cem trabalhos com o nome "Don Juan" no título aparecem, em obras de (entre os autores mais conhecidos) Lord Byron,
Molière, Apollinaire e, é claro, do
autor do segundo mais famoso livro sobre o libertino, José Zorrilla
y Moral, criador do "Don Juan
Tenorio" (1844).
A primeira versão literária formal da popular lenda espanhola é
justamente "O Burlador de Sevilha" (1630), atribuída a Tirso de
Molina, título idêntico ao da novela que sai agora, no Brasil, da lavra do jornalista João Gabriel de
Lima. É seu romance de estréia.
Escolheu, como está demonstrado, um mito que pesa.
Não funcionou. O Don Juan sedutor dá lugar ao provinciano seduzido e um tanto vulgarizado
pelo mundo moderno dos e-mails e chats de conversação, que
recorre a truques banais para
conquistar suas fêmeas e que, em
nenhum momento, como seu
inspirador, parece estar em busca
da mulher ideal.
A história se passa em duas narrativas paralelas: a agente de viagens Susana conta ao narrador-amante as histórias que ouviu de
suas clientes em passeios a Sevilha; em Sevilha, Don Juan, ou o
Burlador, prepara sua estratégia
em direção às presas escolhidas.
Problema: as histórias de Susana, apresentadas ao leitor como a
versão atualizada de outro mito
(agora feminino), o de Sherazade,
jamais evitariam que fosse morta
pelo sultão em uma só noite,
quem dirá em 1.001.
Se o interesse nas histórias que
narrava Sherazade para manter
sua cabeça sobre o pescoço estava
na riqueza de detalhes, as de Susana escorregam na superficialidade e no óbvio, do qual não escapa
nem mesmo o narrador -descreve, por exemplo, o menu de
um jantar de conquista na Espanha como "algo como tortilha de
batatas e outros pratos típicos".
É difícil ainda que o Burlador,
por seu lado, conseguisse êxito tal
com mulheres apenas por se produzir ao gosto delas: para as tradicionais, um homem tradicional;
para as modernas, um moderno;
para as intelectuais, um intelectual. Não possui sequer guarda-roupa próprio e uma série de
compras é providenciada, a cada
conquista, pelo Criado.
Alguns ambientes forjados para
o jogo chegam a debochar da inteligência das mulheres. Como
quando encontra uma apaixonada pelo folclore típico sevilhano:
Don Juan deseja passar por um
descendente de toureiros e o Criado prega nas paredes da sala
aqueles cartazes manjados para
turistas onde é possível colocar o
próprio nome no lugar reservado
a quem vai entrar na arena...
Com sua frágil estrutura e uma
narrativa onde, não raro, sobram
frases de efeito e especulações do
autor sobre a vida e a escritura, "O
Burlador de Sevilha" acaba resumindo seu interesse fora do eixo
central, nas alusões à ópera e à relação do narrador (cantor lírico)
com seu pai, personagem mal
aproveitado que se revela, em sua
monogamia viúva, bem mais profundo que este pobre Don Juan
internauta.
Livro: O Burlador de Sevilha
Autor: João Gabriel de Lima
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (125 págs.)
Lançamento: hoje, às 18h30, na livraria
Cultura (av. Paulista, 2.073, Cerqueira
César, SP, tel. 0/xx/11/285-4033)
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