São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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LIVRO

Don Juan internauta é provinciano e vulgar

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Q ual o próprio cavalheiro sevilhano, Don Juan tem-se mantido ao longo dos séculos como um mito sedutor, sobretudo para os homens: qual nunca sonhou ser o conquistador aos pés de quem as mais belas mulheres se atiram, vítimas de irresistível atração?
Não bastasse a sobrevivência no imaginário masculino, o arquétipo do donjuanismo foi explorado à exaustão em ópera, teatro, cinema, psicanálise e em livros, por meio de romances ou ensaios -sem contar as alusões indiretas ou apenas inspiradas nele.
Experimente entrar em um site de busca de livros na Internet: mais de cem trabalhos com o nome "Don Juan" no título aparecem, em obras de (entre os autores mais conhecidos) Lord Byron, Molière, Apollinaire e, é claro, do autor do segundo mais famoso livro sobre o libertino, José Zorrilla y Moral, criador do "Don Juan Tenorio" (1844).
A primeira versão literária formal da popular lenda espanhola é justamente "O Burlador de Sevilha" (1630), atribuída a Tirso de Molina, título idêntico ao da novela que sai agora, no Brasil, da lavra do jornalista João Gabriel de Lima. É seu romance de estréia. Escolheu, como está demonstrado, um mito que pesa.
Não funcionou. O Don Juan sedutor dá lugar ao provinciano seduzido e um tanto vulgarizado pelo mundo moderno dos e-mails e chats de conversação, que recorre a truques banais para conquistar suas fêmeas e que, em nenhum momento, como seu inspirador, parece estar em busca da mulher ideal.
A história se passa em duas narrativas paralelas: a agente de viagens Susana conta ao narrador-amante as histórias que ouviu de suas clientes em passeios a Sevilha; em Sevilha, Don Juan, ou o Burlador, prepara sua estratégia em direção às presas escolhidas.
Problema: as histórias de Susana, apresentadas ao leitor como a versão atualizada de outro mito (agora feminino), o de Sherazade, jamais evitariam que fosse morta pelo sultão em uma só noite, quem dirá em 1.001.
Se o interesse nas histórias que narrava Sherazade para manter sua cabeça sobre o pescoço estava na riqueza de detalhes, as de Susana escorregam na superficialidade e no óbvio, do qual não escapa nem mesmo o narrador -descreve, por exemplo, o menu de um jantar de conquista na Espanha como "algo como tortilha de batatas e outros pratos típicos".
É difícil ainda que o Burlador, por seu lado, conseguisse êxito tal com mulheres apenas por se produzir ao gosto delas: para as tradicionais, um homem tradicional; para as modernas, um moderno; para as intelectuais, um intelectual. Não possui sequer guarda-roupa próprio e uma série de compras é providenciada, a cada conquista, pelo Criado.
Alguns ambientes forjados para o jogo chegam a debochar da inteligência das mulheres. Como quando encontra uma apaixonada pelo folclore típico sevilhano: Don Juan deseja passar por um descendente de toureiros e o Criado prega nas paredes da sala aqueles cartazes manjados para turistas onde é possível colocar o próprio nome no lugar reservado a quem vai entrar na arena...
Com sua frágil estrutura e uma narrativa onde, não raro, sobram frases de efeito e especulações do autor sobre a vida e a escritura, "O Burlador de Sevilha" acaba resumindo seu interesse fora do eixo central, nas alusões à ópera e à relação do narrador (cantor lírico) com seu pai, personagem mal aproveitado que se revela, em sua monogamia viúva, bem mais profundo que este pobre Don Juan internauta.


Livro: O Burlador de Sevilha    Autor: João Gabriel de Lima Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 19 (125 págs.) Lançamento: hoje, às 18h30, na livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/285-4033)


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