São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

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CINEMA

Novo filme de Julio Bressane traz Alessandra Negrini no papel da rainha egípcia e Miguel Falabella no de Júlio César

Longa brasileiro tropicaliza Cleópatra

FERNANDA MENA
DA SUCURSAL DO RIO

No lugar do rio Nilo, o mar de Copacabana. Em vez da aridez da paisagem do deserto egípcio, a exuberância da mata atlântica. No papel de Júlio César, Miguel Falabella; no de Cleópatra, Alessandra Negrini; e no de Marco Antônio, Bruno Garcia.
A primeira versão cinematográfica em língua portuguesa do maior mito feminino da Antigüidade foi tropicalizada. "Cleópatra", novo longa-metragem de Julio Bressane, foi inteiramente rodado no Rio, e teve suas filmagens concluídas anteontem, em estúdio -após percorrer locações como o Parque Lage, o Forte de Copacabana e o Palácio Tiradentes.
A produção -orçada em R$ 4,2 milhões- por si só já é inusitada. Mas a Cleópatra de Bressane ainda guarda outras surpresas. Após se debruçar sobre "Vidas Ilustres", de Plutarco, e de montar uma biblioteca literária e iconográfica sobre Cleópatra, Bressane optou por uma versão lírica, e não épica, do mito. As instituições públicas, a luta pelo poder e as grandes batalhas desenroladas poucas décadas antes do nascimento de Cristo servem de pano de fundo para a vida íntima da rainha.
Esqueça a Cleópatra de franjinha reta, dos cenários suntuosos, do trono de ouro e dos banhos com leite de cabra. A imagem de bela irresistível e sedutora surge entrelaçada à de mulher intelectual e diplomática. "Cleópatra não nasceu Cleópatra. Ela se fez Cleópatra. E o cinema ainda não tratou disso", diz o diretor.
"Cleópatra foi uma intelectual. Uma moça criada dentro de uma biblioteca, com uma educação severíssima. Aprendeu 12 línguas, estudou matemática, astronomia, todas as ciências divinatórias e o que havia de química e de física. Foi preciso um grande esforço e uma tremenda desilusão consigo própria para que ela se abandonasse aos estudos", diz.
Bressane acrescentou a isso descobertas do final dos anos 90 sobre a atuação diplomática da rainha. "Ela tinha uma tolerância com os judeus, a quem prometeu proteção, concedeu liberdade de crença, autorizou a construção de sinagogas no delta do Nilo."
Para ele, esses são aspectos curiosos ao se recompor o mito para uma mulher que reuniu Ocidente (Grécia) e Oriente (Alexandria) além "do sensualismo moralista que os primeiros romanos e os cristãos amaldiçoaram".
Mas a sedução e a educação dos sentidos pelos quais a bela rainha se tornou célebre também estão no filme. Representadas, entre outras, por uma cena de sexo -guardada a sete chaves- em que Cleópatra e Júlio César se deitam numa espécie de cama-concha em Copacabana.
"Essa é uma Cleópatra onírica, íntima, poética. É um filme sobre o feminino. E sobre a grandiosidade de um mito do Egito, de uma mulher que é várias mulheres. E a modernidade do filme está justamente nessa personagem multifacetada", diz Negrini, dentro de um longo vestido lilás, com cabelos cacheados e uma coroa da qual pendem serpentes douradas.
Para Bruno Garcia, apesar de toda a ludicidade de evocar um tempo por meio de cenários e vestes, "é preciso muito mais do que uma roupa de romano para se tornar um romano".
Como se reconstrói uma época perdida? Fellini certa vez disse que, no limite, isso é impossível e que fazer um filme histórico é criar uma ficção científica sobre o passado. E Bressane prepara a sua ficção, para "inserir o mito de Cleópatra na memória e no imaginário da língua portuguesa".


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