São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006

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SABATINA FOLHA/ PAULO MENDES DA ROCHA

Para Mendes da Rocha, medo da elite desvirtua a cidade

Em sabatina promovida pela Folha, o arquiteto critica shoppings e diz que ricos "merecem" o estilo neoclássico de empreendimentos de luxo em São Paulo

Vencedor do Pritzker de 2006 diz que favelas do país são "a maior manifestação da consciência da urgência do urbanismo"


SYLVIA COLOMBO
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Mendes da Rocha, 77, defende que os vilões ("do lat. vulg. villanu, "habitante de vila ou casa de campo'") das grandes cidades brasileiras são os que insistem em querer viver separados, e não no espaço urbano sem controles e divisões. "A cidade é por si democrática. A cidade é livre", disse o arquiteto, vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura 2006, durante a sabatina Folha, a quarta deste ano, anteontem, em São Paulo. "O que acontece com essa classe temerosa, que se auto-alimenta do pavor? "Não há segurança." Como pode haver segurança para quem tem filhos? Como? Botar um guizo em cada filho? É impossível. É uma idéia tola, a da segurança, e um instrumento da exclusão." Esse não foi o único ataque de Mendes da Rocha aos projetos e práticas dessa "classe temerosa", durante a conversa com o arquiteto e urbanista Italo Campofiorito, com Guilherme Wisnik, também arquiteto e colunista da Folha, Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustrada, e o repórter especial Mario Cesar Carvalho. Disse que os shopping centers segregam e destroem a cidade, que a avenida Paulista é "uma contradição em desastre" e, numa referência à sua consensual feiúra, que o estilo neoclássico adotado nos prédios de luxo de São Paulo é "exatamente o que eles [ricos] merecem". Do Muro de Berlim às favelas, o arquiteto defendeu intervenções nas cidades semelhantes às que faz em obras como a da Pinacoteca do Estado, em São Paulo -manter e respeitar a estrutura prévia, para daí construir a novidade.

 

CIDADE "A idéia de cidade é amenizar a aflição. Eu saio do trabalho, encontro um amigo e posso tomar uma cerveja num bar."

LIBERDADE "Temos que ser livres de fato. E sentar na rua. Já amanheci deitado com um amigo na sarjeta na praça da República e não aconteceu nada. Em qualquer desses bairros privados, teríamos sido metralhados. Em certos bairros, se eu for pra lá, já vão me perguntar o que eu estou fazendo. Se disser que não sei, que fui passear, vou em cana. Isso é um absurdo. A cidade é democrática. A cidade é livre. O que acontece com essa classe temerosa que se autoalimenta do pavor? Dizem: "Não há segurança". Como pode haver segurança para quem tem filhos? Como? Botar um guizo em cada filho? É impossível. É uma idéia tola, a da segurança, e um instrumento da exclusão.

MEDO "A esperança é que sejamos todos democráticos e inteligentes. Nunca a cidade estará perfeita, mas não precisamos cometer tanto previsível desastre. A idéia do desastre é que nós conseguimos prever que vai dar errado. Como, por exemplo, morar distante, fechar para se proteger. Fecha, fecha e, de repente, a filha mata o pai. O medo é o instrumento fundamental do fascismo."

ESTILO NEOCLÁSSICO "Eu acho muito sadio; é exatamente o que eles merecem [sobre os ricos e seus prédios neoclássicos]"

BURGUESIA Quando o coro canta na escadaria do teatro Municipal, toda aquela área fica em silêncio. A cidade que a burguesia despreza é muito mais educada do que ela imagina. Imagina para efeito de propaganda, para vender bagulho na periferia -é mais fácil comprar terreno lá fora; é mais caro demolir e construir de novo na cidade. A parte mais educada da população habita todo dia a cidade. Senão 10 milhões de pessoas não conseguiriam todos os dias fazer o que fazem. Vêm, com dificuldade, voltam, consomem e alimentam o mercado. E dão lucro para os que desprezam a cidade."

FAVELAS "Podem ser vistas como a maior manifestação da consciência da urgência do urbanismo -porque ali está demonstrado que, se eu vier morar aqui [na cidade], estou salvo. Não é possível ficar abandonado. Uma ou outra pode ser recomposta, outras teremos que fazer algo ao lado. A grande questão da casa contemporânea -a cidade é casa, é feita com casas- é o endereço. E nada melhor do que o endereço de algumas daquelas favelas que ficam em cima da cidade."

REMOVER FAVELAS "O diagnóstico tem que ser feito caso a caso. Há favelas que sim [poderiam ser removidas], outras não. Se a questão fundamental é o endereço, conquistado aquele endereço a pior coisa é tirar a turma de lá."

AVENIDA PAULISTA O edifício vertical é uma das chaves da cidade contemporânea. Eis a avenida Paulista como uma contradição em desastre. Esse engenho não pode ser instalado na matriz anterior, que era o loteamento dos palacetes. A avenida Paulista, com todo o orgulho que temos daquilo, não há. Tirar um palacete, uma casa menor -os prédios ficam magricelos, é um exército de Brancaleone. O único prédio da avenida Paulista que expressa uma disponibilidade espacial conveniente é o Conjunto Nacional."

SHOPPING CENTER "O problema do shopping center não é do arquiteto que o fez e sim a idéia de confinamento que destrói a cidade. Uma cidade não pode ser feita de quimeras. Ela é feita de botequim, de padaria. Poucas vezes eu entro em um shopping porque me sinto mal. E o que acho pior é a praça de alimentação. Eu já trabalhei no sertão e vi como se dá alimento para os animais. Praça de alimentação parece um lugar para distribuir ração."

SÃO PAULO X EUROPA Istambul é uma cidade impressionante, que te comove, e pouco a pouco você descobre porque você está bem lá. Chegando a São Paulo, fui surpreendido por achar São Paulo belíssima, porque vi que era parecida com aquela outra que eu estava achando tão linda. Cheguei a pensar que essas cidades constantemente citadas por nós, européias, são uma porcaria, são insuportáveis na presunção das pessoas, no comportamento. A graça da cidade está justamente no fato de que ela exista antes que se construa. Ela é um aparecimento do desejo dos homens de estarem juntos."

SUAS OBRAS "É difícil dizer quais eu faria de novo. A princípio, todas. A Pinacoteca já foi melhor, mas tinha de ser revitalizada de algum modo. Você precisa transformar as coisas, torná-las mais adequadas ao momento que se vive. Tudo na vida é transformação. Tudo é possível a partir de uma matriz. Esse conceito nos faz imaginar que qualquer prédio pode ser transformado com o tempo. O Louvre, por exemplo, é horrível. Um bolo de noiva que não acaba mais. Parece que a noiva não apareceu e o cozinheiro continuou fazendo o bolo."

NIEMEYER "O Copan, entre outras maravilhas -é uma resolução como habitação popular, com sete ou cinco tipos de habitação diferentes, o térreo com teatro e outras coisas- está o fato de ter adotado um protótipo para casa vertical, em que ela toda tem uma frente para lá e uma frente para cá. Ora, a casa que se vê de manhã, de tarde, que se ventila, é a casa ideal. Essa lâmina estreita para que as casas possam ter duas frentes. Se ele fizesse ela toda vertical não seria um problema para as técnicas de hoje, o grande problema é a questão do vento. Dobrar daquele jeito resolve isso. Portanto aquelas curvas não têm nada a ver com montanhas do Brasil ou as curvas da mulher amada. Não seria possível fazer de outra forma."

MURO DE BERLIM "Eu, se tivesse sido chamado a opinar sobre o Muro de Berlim, jamais o derrubaria -abriria oportunas e belíssimas portas."

LULA Vou votar no Lula, porque acho que é uma experiência nacional muito interessante. Evidente que estou decepcionado com tudo isso. Mas eu não sou moralista. Difícil não aceitar que seja possível construir a partir da classe operária uma possibilidade de liderança. Já vimos que o Lula está eleito. Não sou eu que vou desmerecer o meu presidente da República, se foi o povo que disse que é. Minha visão do voto não é moralista, é guerrilheira: vamos em frente."


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