São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2007

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Crítica/"O Despertar de uma Paixão"
Boas atuações fortalecem trama densa de amor

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Apesar do jeitão esnobe, "O Despertar de uma Paixão" tem lá seu encanto. As credenciais apontam para o filão, quase sempre estéril, da superprodução de época de estirpe nobre, legitimada pela base literária (no caso, o romance "O Véu Pintado", de W. Somerset Maugham). Mas detalhes permitem ao resultado ir além do filme-à-caça-de-Oscar.
Aliás, "O Despertar de uma Paixão" foi praticamente ignorado, limitando-se a ganhar um Globo de Ouro de trilha sonora.
O filme decepciona quem espera puro academicismo, talvez pela estrutura um pouco truncada, pela substância densa que permeia a relação entre os personagens e pela forma corajosa com que os atores os defendem.
Edward Norton e Naomi Watts apresentam trabalhos de rara sutileza. Não fazem questão de tornar seus personagens simpáticos à primeira vista.
Watts, sobretudo: sua Kitty é uma garota cheia de caprichos, que se casa por puro medo de quebrar convenções sociais. Na primeira parte do filme ela é desagradável e desinteressante -uma atuação sem concessões.
De família rica, Kitty cede à pressão da mãe e aceita se casar com o biólogo classe-média Walter (Norton). Vai para a China, onde ele trabalha, e lá não demora a se envolver com o vice-cônsul Charlie Towsend (Liev Schrieber). Walter descobre e, para se vingar, aceita o posto na direção de um hospital numa cidade do interior assolada por uma epidemia de cólera. A experiência será redentora.
Não só para Kitty mas também para Walter, que assume sua responsabilidade pelo fracasso do casamento. O personagem mais interessante é Waddington (Toby Jones), um típico britânico decadente que chegou à China pelas vias do colonialismo e há anos vive ali com uma concubina chinesa. É ele quem conduz a melhor seqüência, uma estranha noite regada a bebida e ópio, em que Walter e Kitty enfim se descobrem.
É esse caminho narrativo inverso -um casamento que começa errado e se descobre possível; o amor que nasce das ruínas- um dos aspectos que fazem a diferença de "O Despertar de uma Paixão" (péssimo título genérico para uma história substancial). O diretor John Curran, que estreou com o pequeno "Tentação", tem dificuldade em orquestrar um filme grandioso. Mas, sabiamente, abre espaço para que o longa respire pelo trabalho dos atores. Sobre um pano de fundo exótico, entre comentários políticos sobre a colonização britânica, mantém o foco no relacionamento humano, fazendo uma espécie de amor nos tempos do cólera mais intimista e sem chance de saídas mágicas.


O DESPERTAR DE UMA PAIXÃO
Direção:
John Curran
Produção: China/EUA, 2006
Com: Edward Norton, Naomi Watts
Quando: em cartaz nos cines Reserva Cultural, Iguatemi Cinemark e circuito
Avaliação: bom


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