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Complexidade de NY inspira autor
Norte-americano Richard Price, que participou da Flip em 2008, finalmente tem "Vida Vadia" lançado no Brasil
Rondas junto à polícia e conversas com os atuais moradores do Lower East Side deram substância ao romance, lançado em 2008
JANAINA LAGE
DE NOVA YORK
A vontade de escrever sobre
o primeiro bairro em que morou sua família na América foi o
ponto de partida de Richard
Price para o romance "Vida Vadia", recém-lançado no Brasil.
Em vez de narrar o passado
operário do bairro, o escritor
decidiu se concentrar no caldeirão contemporâneo de sotaques e estilos de vida que o Lower East Side congrega hoje.
O bairro da zona sul de Nova
York, que reúne boêmios, hippies, latinos e chineses, é o cenário para uma história de assassinato que revela as tensões
entre os dois lados, dos imigrantes e conjuntos habitacionais e da classe média branca.
Price -que esteve na Flip do
ano passado- dedicou-se ao
papel de "observador da vizinhança" com afinco. Entre seu
penúltimo romance e "Vida Vadia", lançado nos EUA em
2008, transcorreram cinco
anos. Nesse período, ele obteve
uma autorização para acompanhar a polícia nas rondas e circulou pelo bairro em busca de
personagens e histórias.
"Para fazer perguntas, você
precisa saber da existência das
coisas. Há gente de todo lugar:
chineses, dominicanos, negros,
jovens brancos boêmios, hippies... Havia uma vida de coisas
acontecendo ali e ninguém sabia um do outro", diz o escritor
nova-iorquino. A resistência
dos chineses mais velhos em
dar informações à polícia e a
existência de patrulhas disfarçadas que "caçam" delinquentes foram algumas descobertas.
"A pesquisa nunca termina.
Em certo momento, as notas
começam a virar frases e surge
o impulso de ordená-las. Nesse
ponto começo a escrever o livro", afirma. O autor já finalizou uma versão do romance para o cinema e diz que o roteiro
guiará a escolha do diretor.
Para Price, o Lower East Side
é uma área em transformação,
que tende a ser descaracterizada com o avanço de preços. "O
bairro vai reunir gente que tem
dinheiro para morar lá e nada
mais em comum além disso.
Será como Tribeca, que hoje se
parece com uma extensão de
Wall Street", disse.
Nova vizinhança
Price se mudou para o Harlem em outubro, onde recebeu
a Folha, na última quinta-feira,
em uma casa de três andares,
coberta de livros e fotografias.
O bairro será o tema de seu
próximo livro. "Sinto como se
essa vizinhança fosse algum
dos meus livros, simplesmente
um que ainda não escrevi."
A ideia é falar sobre os novos
moradores, brancos e jovens
casais negros de nível universitário, que têm mudado o perfil
da região nos últimos anos.
"Há 20 anos, só vinham para
cá os que não tinham escolha.
Mas o fato é que o Harlem será
sempre o Harlem, porque é a
capital dos negros americanos.
Existem vários conjuntos habitacionais e casas de cômodos, e
ninguém vai tirar isso daqui,
mas não há conflito com a chegada de moradores. Antes, poderia haver um cadáver em cada esquina toda noite".
Entre os achados para o novo
livro, Price conta que encontrou um salão funerário que divide espaço com um spa no
mesmo prédio. Os mortos, que
em vida muitas vezes foram
drogados ou delinquentes, são
vestidos em trajes de festa.
"Isso faz parte de uma tradição negra do sul do país. Quando você morre, dizem que vai
para a festa porque vai encontrar Jesus. Não importa o que
fez em vida, mas, se vai à festa,
precisa se vestir adequadamente." De lugares assim é que
o escritor colhe as impressões e
histórias para o novo romance.
Ao fim da entrevista, o autor
alerta a repórter: "Você terá dificuldade em arranjar um táxi
amarelo [os oficiais] nessa área
da cidade, terá de buscar uma
condução alternativa". Não foi
necessário. Assim como o escritor e os jovens casais, os táxis oficiais também já descobriram o caminho do Harlem.
VIDA VADIA
Autor: Richard Price
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59 (496 págs.)
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