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São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

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Buñuel em detalhes

Fotos Divulgação
O cineasta Luís Buñuel, em Toledo, na Espanha, em 1962
 

Buñuel na praia de Cap de Creus, na Espanha, em 1929, ano do filme "Um Cão Andaluz"
 

Cenas de "Um Cão Andaluz", que Luís Buñuel escreveu em parceria com Salvador Dalí



Retrospectiva de filmes, exposição de fotos e série de debates revisitam obra do diretor espanhol 20 anos após sua morte


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Luís Buñuel (1900-1983) não gostava de cinema. Mas nasceu cineasta. A tese é de seu filho, o também diretor Juan Luís Buñuel, 70, que vive em Paris e falou à Folha, por telefone, sobre a vida e a obra do pai, que será objeto de retrospectiva -em filmes e fotos-, a partir de sexta, no Centro Cultural São Paulo.
Numa série de cinco conferências (gratuitas, assim como as exibições dos filmes e a visitação à exposição), especialistas brasileiros e estrangeiros esquadrinharão a linguagem de Buñuel e a importância de sua filmografia.
Estarão em debate desde a introdução de preceitos surrealistas no cinema ("Um Cão Andaluz", 1929) até a consolidação de um tom de crítica social amalgamada com estilo cinematográfico particular, em títulos como "Os Esquecidos" (1950) e "Viridiana (1961).
A seguir, trechos da conversa com Juan Luis Buñuel, que fala sobre o pai e sobre si mesmo.
 

A VOCAÇÃO - Meu pai não gostava de fazer cinema, não gostava daquele aparato e dos problemas de produção. Mas não sabia fazer outra coisa. Não sabia escrever. Tentava, mas se aborrecia. Não sabia pintar, embora houvesse gostado de ser pintor. Não sabia música, embora houvesse gostado de ser músico. Era cineasta. Nasceu cineasta. Agora imagine se ele tivesse nascido em 1800. Nunca teria feito nada. Seria açougueiro ou vendedor de batatas. Estive conversando com [o roteirista] Jean-Claude Carrière sobre isso, e veja que bonita teoria fizemos: pode ser que hoje existam pessoas que nasceram para uma forma de arte que só existirá daqui a dois ou três séculos. Essas pessoas, pobres, não vão poder se dedicar à sua arte.

A INTIMIDADE - Em casa, nunca falávamos sobre cinema. Ele trabalhava pouco. Fazia filmes em duas ou três semanas. Quando meu irmão e eu voltávamos da escola, ele já havia voltado do estúdio. Como ele nunca falava de cinema, não sabíamos ao certo o que fazia.

ALMODÓVAR - É falso [classificar o cineasta espanhol Pedro Almodóvar como herdeiro cinematográfico de Buñuel]. Conheço Almodóvar. Já falamos disso, e ele mesmo acha que são besteiras de gente que adora comparar. São dois mundos e duas épocas completamente diferentes. Meu pai dizia que havia nascido na Idade Média, porque em Calanda [Espanha], em 1900, não existia cinema, não existia nada. Almodóvar nasceu em pleno século 20 [Calzada de Calatrava, 1951], com todas as suas facilidades. Os filmes de Almodóvar não têm nada a ver com os de meu pai. Os que dizem isso são idiotas.

"OBSCURO OBJETO DO DESEJO" - Foi o último filme de meu pai [1977]. Ele já estava muito velho e disse ao produtor que só faria esse filme se tivesse Pierre Lary como assistente. Fez essa exigência porque gostava de ter os amigos ao redor dele durante as filmagens, para poder parar às quatro da tarde, tomar um vinho e comer salsichões. E foi assim todos os dias -filmamos e fizemos festa, com vinhos e salsichões.

CINEMA E POLÍTICA- A maior parte dos filmes americanos atuais é imbecil. São feitos para crianças de 14 a 16 anos. Acho que toda boa obra de arte tem algo de político. A maneira de ver o mundo, de acreditar ou não em Deus, de discutir o que se faz com a humanidade e consigo mesmo. De maneira alguma quero fazer filmes como os americanos. Nem que me paguem milhões. Sei que o cinema que faço não é genial, mas é o meu.
[Juan Luís Buñuel começou no cinema como assistente de direção. Trabalhou com o pai e com diretores como Louis Malle ("Viva Maria!") e Henri Verneuil ("A Batalha de São Sebastião"). Como diretor, assina 19 títulos de documentário e ficção, nos gêneros drama e horror, realizados para cinema e TV. Seu filme mais reconhecido é "Leonor", de 1975, com Liv Ullman e Michel Piccoli. É também escultor.]

CINEMA E DINHEIRO - O cinema é uma mistura de indústria, arte e loteria. Com cada vez mais loteria. Não deveria ser assim.

GLAUBER ROCHA - Um dia, eu estava andando por Saint-Germain des Prés e [o cineasta brasileiro] Glauber Rocha [1939-1981] bateu em meu ombro. Tinha um pacote nas mãos e disse que eu deveria acompanhá-lo numa cerimônia de exorcismo. Parecia aflito. Fomos até a margem do Sena. Ele desembrulhou o pacote e começou a jogar tudo no rio. Era um monte de espaguete, com umas sombrinhas japonesas por cima. Depois me deu um abraço e saiu. Nunca entendi.


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