São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003 |
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Buñuel em detalhes
SILVANA ARANTES DA REPORTAGEM LOCAL Luís Buñuel (1900-1983) não gostava de cinema. Mas nasceu cineasta. A tese é de seu filho, o também diretor Juan Luís Buñuel, 70, que vive em Paris e falou à Folha, por telefone, sobre a vida e a obra do pai, que será objeto de retrospectiva -em filmes e fotos-, a partir de sexta, no Centro Cultural São Paulo. Numa série de cinco conferências (gratuitas, assim como as exibições dos filmes e a visitação à exposição), especialistas brasileiros e estrangeiros esquadrinharão a linguagem de Buñuel e a importância de sua filmografia. Estarão em debate desde a introdução de preceitos surrealistas no cinema ("Um Cão Andaluz", 1929) até a consolidação de um tom de crítica social amalgamada com estilo cinematográfico particular, em títulos como "Os Esquecidos" (1950) e "Viridiana (1961). A seguir, trechos da conversa com Juan Luis Buñuel, que fala sobre o pai e sobre si mesmo. A VOCAÇÃO - Meu pai não gostava de fazer cinema, não gostava
daquele aparato e dos problemas
de produção. Mas não sabia fazer
outra coisa. Não sabia escrever.
Tentava, mas se aborrecia. Não
sabia pintar, embora houvesse
gostado de ser pintor. Não sabia
música, embora houvesse gostado de ser músico. Era cineasta.
Nasceu cineasta. Agora imagine
se ele tivesse nascido em 1800.
Nunca teria feito nada. Seria
açougueiro ou vendedor de batatas. Estive conversando com [o
roteirista] Jean-Claude Carrière
sobre isso, e veja que bonita teoria
fizemos: pode ser que hoje existam pessoas que nasceram para
uma forma de arte que só existirá
daqui a dois ou três séculos. Essas
pessoas, pobres, não vão poder se
dedicar à sua arte. A INTIMIDADE - Em casa, nunca
falávamos sobre cinema. Ele trabalhava pouco. Fazia filmes em
duas ou três semanas. Quando
meu irmão e eu voltávamos da escola, ele já havia voltado do estúdio. Como ele nunca falava de cinema, não sabíamos ao certo o
que fazia. ALMODÓVAR - É falso [classificar
o cineasta espanhol Pedro Almodóvar como herdeiro cinematográfico de Buñuel]. Conheço Almodóvar. Já falamos disso, e ele
mesmo acha que são besteiras de
gente que adora comparar. São
dois mundos e duas épocas completamente diferentes. Meu pai
dizia que havia nascido na Idade
Média, porque em Calanda [Espanha], em 1900, não existia cinema, não existia nada. Almodóvar
nasceu em pleno século 20 [Calzada de Calatrava, 1951], com todas
as suas facilidades. Os filmes de
Almodóvar não têm nada a ver
com os de meu pai. Os que dizem
isso são idiotas. "OBSCURO OBJETO DO DESEJO" -
Foi o último filme de meu pai
[1977]. Ele já estava muito velho e
disse ao produtor que só faria esse
filme se tivesse Pierre Lary como
assistente. Fez essa exigência porque gostava de ter os amigos ao
redor dele durante as filmagens,
para poder parar às quatro da tarde, tomar um vinho e comer salsichões. E foi assim todos os dias
-filmamos e fizemos festa, com
vinhos e salsichões. CINEMA E POLÍTICA- A maior
parte dos filmes americanos
atuais é imbecil. São feitos para
crianças de 14 a 16 anos. Acho que
toda boa obra de arte tem algo de
político. A maneira de ver o mundo, de acreditar ou não em Deus,
de discutir o que se faz com a humanidade e consigo mesmo. De
maneira alguma quero fazer filmes como os americanos. Nem
que me paguem milhões. Sei que
o cinema que faço não é genial,
mas é o meu. CINEMA E DINHEIRO - O cinema é
uma mistura de indústria, arte e
loteria. Com cada vez mais loteria.
Não deveria ser assim. GLAUBER ROCHA - Um dia, eu estava andando por Saint-Germain
des Prés e [o cineasta brasileiro]
Glauber Rocha [1939-1981] bateu
em meu ombro. Tinha um pacote
nas mãos e disse que eu deveria
acompanhá-lo numa cerimônia
de exorcismo. Parecia aflito. Fomos até a margem do Sena. Ele
desembrulhou o pacote e começou a jogar tudo no rio. Era um
monte de espaguete, com umas
sombrinhas japonesas por cima.
Depois me deu um abraço e saiu.
Nunca entendi. |
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