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LIVROS
Crítica/romance
Obras relançadas expõem o niilismo militante de Mainardi
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A editora Record acaba
de relançar quatro textos de ficção de Diogo
Mainardi. Embora englobados
sob o rótulo tolerante de romance, nenhum deles é o que
se está acostumado a esperar
de um romance -o que, de saída, já é uma vantagem. Há outras. O livro mais antigo, "Malthus", de 89, tem a forma de
uma novela picaresca amalucada, cuja personagem central
usa expedientes de toda sorte
para, menos do que subir na vida, livrar-se da perturbação implacável da companhia alheia.
O livro mais recente, "Contra
o Brasil", de 98, é um misto de
libreto de opereta bufa e diário
de viagem. Trata de uma expedição de inspiração modernista
ao longo da trilha aberta por
Rondon entre Cuiabá e Porto
Velho, com o propósito de encontrar o "verdadeiro Nambiquara", tal como descrito por
Lévi-Strauss. No caminho, o
narrador atualiza todo tipo de
insulto lançado pelos mais diversos viajantes estrangeiros à
má qualidade da terra e da gente do Brasil.
Os dois livros são bem divertidos e guardam alguma relação
com o "nonsense" oswaldiano,
e mesmo com o de "Macunaíma", desde que se entenda que
o repertório pseudo-etnográfico coletado visa sobretudo liquidar sentimentalismos e mitologias regionais e nacionalistas.
Curiosamente, os dois melhores livros são menos engraçados. "Arquipélago", de 92,
pode ser localizado no gênero
da utopia, classicamente sediado em ilhas. No caso, a ilha se
torna possível com a inundação
da região de Pedranópolis e a
reunião de uma dezena de sobreviventes na abóbada da igreja matriz. O pequeno espaço
ilhado torna-se então palco da
experimentação legislativa da
personagem do narrador, o
único considerado individualmente em meio a uma população homogênea, aderente a frases feitas e idéias preconcebidas. A idéia de progresso do lugar depende, pois, de o narrador negar a coletividade, expurgando os outros de dentro de si,
e estabelecer um corpo de leis
para disciplina da convivência
com eles -tarefa na qual não
logra êxito.
Sua conclusão é que entre as
idéias (em que cada iniciativa
corresponde a um insucesso
prático e a uma vacuidade ridícula) e o dia-a-dia (em que estão os condicionamentos e preconceitos coletivos) não há
passagem possível. A consolação reside tão-somente na potência de negação que há na
idéia.
Alegoria e regionalismo
A aplicação ao caso desta teoria produz o melhor livro de
Mainardi: "Polígono das Secas", de 95. Como gênero, mescla novela alegórica e romance
regionalista. Partindo de um
texto de Manzoni sobre superstições populares que levaram à
tortura e à morte duas pessoas
inocentes, acusadas de causar
peste com a disseminação de
um unto peçonhento, Mainardi
transporta uma das vítimas para o sertão nordestino e a transforma num vingador disposto a
infeccionar todos os lugares comuns da literatura nordestina
que louvam o caráter do nordestino em meio à miséria do
meio e das circunstâncias.
A lição é que nada justifica a
tentativa de conferir um significado, muito menos triunfante, para a estupidez e a miséria.
Dito assim, pode-se imaginar
um narrador iluminista, surdo
às sucessivas crises contemporâneas, que insiste em crer na
razão do espírito universal a regular a história. Não é a leitura
mais verossímil para o conjunto dos romances: neles, o fosso
entre a razão e a vida comum é
intransponível e definitivamente vã, senão ridícula, qualquer tentativa de superá-lo. O
único valor que resta é o da negação, absolutizada como niilismo militante. Afligir as histórias e os lugares-comuns é,
então, apenas um modo de sobreviver ao acaso da existência.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da
Universidade Estadual de Campinas e autor de
"Máquina de Gêneros" (Edusp)
POLÍGONO DAS SECAS
Autor: Diogo Mainardi
Editora: Record
Quanto: R$ 26,90 (144 págs.)
ARQUIPÉLAGO
Autor: Diogo Mainardi
Editora: Record
Quanto: R$ 33,90
CONTRA O BRASIL
Autor: Diogo Mainardi
Editora: Record
Quanto: R$ 33,90 (256 págs.)
MALTHUS
Autor: Diogo Mainardi
Editora: Record
Quanto: R$ 25,90 (128 págs.)
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