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DRAUZIO VARELLA
Panacéias modernas
O vaso sanitário é o destino prosaico das vitaminas que você adquire nas farmácias
AS MÃES podem ser divididas
em duas grandes categorias: a
das que acham que os filhos
devem tomar vitamina B e a das que
acham que eles devem tomar vitamina C.
Pertencem ao primeiro grupo as
genitoras de crianças enfastiadas, de
adolescentes viciados em fast-food,
em fase de convalescença, em época
de vestibular ou que estejam mais
magros do que elas gostariam. O sonho dessas senhoras é ver seus rebentos devorando pratos repletos
de alimentos da qualidade que elas
julgam ideal, porque acreditam que
as vitaminas do complexo B são dotadas do poder de trazer saúde e de
abrir o apetite do mais empedernido
inapetente.
Já as que defendem com unhas e
dentes o uso da vitamina C não são
movidas pela intenção de engordar
filhos, mas pelo desejo irrefreável de
fortalecer-lhes a imunidade. Para
elas, o primeiro espirro é indicação
sumária de pelo menos 500 miligramas por dia desse santo remédio, capaz de transformar os glóbulos
brancos de seus pimpolhos em verdadeiros Homens-Aranhas, destruidores implacáveis de vírus ou bactérias que ousem confrontá-los.
Filhos e netos dessas mulheres
transmitirão suas crenças nos poderes mágicos das vitaminas a seus
descendentes, perpetuando a crendice. A classe médica, por sua vez,
colabora decisivamente para a manutenção desses mitos toda vez que
prescreve vitamina C para alguém
resfriado ou complexo B para "dores
nevrálgicas".
A conseqüência é visível em qualquer farmácia: prateleiras imensas,
quando não lojas inteiras, abarrotadas pelas associações mais estapafúrdias que a imaginação humana é
capaz de criar: suplementos que
contêm o abecedário vitamínico de
A a Z, combinados com aminoácidos
essenciais ou facultativos, a minerais como zinco, selênio, molibdênio
e manganês, além de dezenas de fitoterápicos que atendem por nomes
pomposos escritos em latim.
A oferta de preparações que contêm vitamina C, então, atende a todos os gostos: comprimidos que vão
de 100 miligramas a um grama, das
mais variadas colorações, dos sabores mais exóticos, efervescentes,
mastigáveis, deglutíveis e, para atender aos mais radicais, até ampolas
para injeção intravenosa.
Ciente dessa demanda do imaginário popular, a indústria investe
em publicidade para ligar a imagem
das vitaminas ao combate à fraqueza, às infecções, à impotência sexual
e à manutenção do bom apetite e do
bem-estar.
O caso da vitamina C é clássico:
aproveitando-se da popularidade
granjeada por Linus Pauling, ganhador dos Prêmios Nobel de Química e
da Paz (mas que entendia de medicina tanto quanto eu de nanocircuitos), que apregoava a indicação de
doses maciças para prevenir infecções e câncer, os grandes produtores
da referida vitamina venderam durante anos em horário nobre o conceito falso de que ela teria eficácia no
aumento da resistência a gripes e
resfriados.
Nenhum dos estudos já publicados, envolvendo milhares de pacientes, conseguiu demonstrar qualquer
atividade da vitamina C na prevenção ou tratamento de qualquer
doença infecciosa.
Então vitamina C não tem serventia? Também não é assim, serve para
tratar quem sofre de escorbuto. Se
existissem comprimidos de vitamina C, os marinheiros de Cabral, Colombo e Vasco da Gama não teriam
padecido desse mal.
Salvo o caso de crianças raquíticas
e desnutridas, de alcoólatras inveterados e de pessoas idosas debilitadas
que não conseguem ingerir frutas,
verduras ou legumes, acrescentar
vitaminas à dieta é desperdício. Para
satisfazer suas exigências metabólicas, o organismo humano necessita
de doses ínfimas desses micronutrientes; o excesso é filtrado pelos
rins e excretado na urina. O vaso sanitário é o destino prosaico dos suplementos vitamínicos que você adquire nas boas casas do ramo.
Se as quantidades de vitaminas
contidas nos comprimidos das farmácias fossem necessárias à sobrevivência de nossa espécie, você não
estaria lendo, nem estas linhas existiriam, porque nossos antepassados
que disputavam carcaças com hienas e abutres para alimentar a família na caverna teriam sido extintos.
O mercado mundial de suplementos vitamínicos movimenta bilhões
de dólares anuais. Os compradores
não são apenas as pessoas que os adquirem em lojas de produtos importados, mas principalmente gente
humilde arregimentada pela propaganda veiculada nos programas populares de rádio e da TV, sem que
nenhum órgão de defesa do consumidor proíba esse abuso imoral.
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