São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Adeus, Israel?


Será que Israel continua a ser vital para os judeus? Ou se converteu no local mais perigoso para eles?

ESTRANHAS ironias: no momento em que o Irã garante, em reunião na Suíça, que não tenciona suspender o seu programa de enriquecimento de urânio, eu releio, talvez pela terceira vez, "Operação Shylock", de Philip Roth. Não, não é um dos livros mais conhecidos do eterno candidato a Nobel. Mas deve ser lido por sua terrível sensibilidade política e até profética. Foi escrito em 1993, o ano dos fatídicos acordos de Oslo. E nele encontramos um personagem, com o mesmo nome do autor (Philip Roth), que pretende executar em Israel uma importante e decisiva operação: salvar os judeus israelitas do extermínio certo.
Eis a tese do livro: o sionismo foi importante ao garantir aos judeus uma casa depois das atrocidades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Mas, questiona o personagem Philip Roth, será que Israel continua a ser vital para os judeus? Ou, pelo contrário, ao "concentrar" os judeus num único espaço, Israel converteu-se, irônica e tristemente, no local mais perigoso para eles?
A resposta de Roth é pessimista. Israel foi um interlúdio na longa história judaica. E cumpriu o seu papel. Mas agora, depois do "sionismo", é preciso revitalizar o que o autor designa por "diasporismo", ou seja, permitir que os judeus de ascendência européia possam regressar à Europa, escapando assim da aniquilação nuclear.
É evidente que o livro de Roth deve ser lido como ficção, fantasia, criação literária. Mas, relendo essas páginas, hoje, em 2008, é inevitável formular a questão mais terrível de todas: será possível, como se lê em "Operação Shylock", um segundo Holocausto no século 21?
Pessoalmente, creio que sim. Sobretudo se levarmos em conta as duas condições centrais que permitiram, desde logo, o primeiro Holocausto no século 20: em primeiro lugar, uma cultura ideológica que garante a desumanização do outro, o primeiro passo para que se exerçam atos de brutal criminalidade. Auschwitz não foi o princípio; Auschwitz foi a conclusão lógica de um longo processo de desumanização anti-semita que era já anterior à subida de Hitler ao poder em 1933.
Esse anti-semitismo existe hoje no Islã, como tive oportunidade de escrever em livro recentemente lançado em Portugal ("Israel: Ontem e Hoje", org. Esther Mucznik e Joshua Ruah, ed. Difel). Na imprensa popular, os judeus aparecem como seres "conspirativos", "decadentes", "parasitários" (o site do MEMRI, que traduz para inglês o que regularmente se escreve na imprensa islâmica, é aterrador, mas ilustrativo). Os "Protocolos dos Sábios do Sião", o documento forjado pelas autoridades czaristas no século 19 para legitimar as perseguições antijudaicas, continua a servir de base para telenovelas no Egito. "Mein Kampf", de Hitler, vende-se com sucesso nas livrarias de Teerã. E um filme tão perigoso como "A Lista de Schindler", de Spielberg, continua proibido no Islã. Não é de espantar que a retórica habitual do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, esteja em perfeita sintonia com a cultura do seu auditório.
Mas não é apenas necessário um fortíssimo anti-semitismo; é preciso capacidade tecnológica para converter o ódio em ato. Em 1993, altura em que Roth escreveu "Operação Shylock" prevendo o apocalipse nuclear, seria improvável que esse ato acontecesse. Desde 1948, aliás, que Israel venceu suas campanhas militares, emergindo como ator incontestado no palco do Oriente Médio.
Acontece que essas campanhas contra Estados ou agentes inimigos eram campanhas militares tradicionais, sem que do outro lado existisse uma bomba nuclear disposta a ser usada.
Esse cenário altera-se brutalmente se o Irã chegar à bomba nuclear. E, embora eu não acredite no cenário hollywoodiano de um aiatolá enlouquecido, disposto a carregar no botão para apagar Tel Aviv ou Jerusalém do mapa, existem organizações terroristas, como o Hezbollah ou o Hamas, que Teerã treina e financia hoje e que teriam acesso, pela primeira vez na história, a armas de destruição maciça amanhã.
Moral da história? A posse de armas nucleares pelo Irã, ou seja, a possibilidade de organizações terroristas terem acesso a elas, pode destruir fisicamente Israel; e mesmo que a bomba não seja usada, a sombra dessa possibilidade acabará por destruir econômica e até psicologicamente o Estado judaico.
Em 1993, Philip Roth aconselhava os judeus de Israel a deixar Israel. Se o Irã produzir armamento nuclear, meu conselho é precisamente o mesmo.


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Newton Moreno faz sucesso com "Nordeste sincero"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.