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Caetano estrila
Tema de "Coração Vagabundo", que estreia na sexta, o músico critica a cobertura da Folha sobre o uso da Lei Rouanet para sua turnê, afirma que o jornal quis tratá-lo como "misto de Sarney e Dado Dolabella" e revela saudades da "alegria física" da juventude
Caio Guatelli - 14.jul.2009/Folha Imagem
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O músico Caetano Veloso, na pre-estreia de "Coração Vagabundo"
em São Paulo
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Caetano Veloso tem medo da
morte, mas menos do que tinha
"quando era mais moço e mais
narcisista". Aos 66, ele tem
"saudades do equilíbrio e da
elasticidade do corpo, da força
dos cabelos, o jato de urina forte, as ereções firmes, a alegria
física da juventude".
Caetano Veloso odeia "a hipocrisia" e teme "o fanatismo".
Ele acha que "dadas as revelações da personalidade pragmática do político Lula", a adesão
de seu amigo e também músico
Gilberto Gil ao governo, como
ministro da Cultura (2003-2008) "não teve o caráter negativo" que ele temia.
Tudo isso o cantor e compositor baiano contou à Folha,
numa entrevista a propósito de
"Coração Vagabundo", documentário a seu respeito, que
chega aos cinemas nesta sexta.
O diretor do filme, Fernando
Grostein de Andrade, diz que
sua intenção era realizar "não
uma biografia, mas uma passagem pela vida de Caetano".
Com orçamento em torno de
R$ 700 mil, considerado baixo
pelos parâmetros brasileiros,
"Coração Vagabundo" contou
com patrocínio de empresas
que tiveram incentivo fiscal para realizar o investimento no
filme. O incentivo é proporcionado pelas leis federais de incentivo à cultura, das quais
quase todos os filmes produzidos no Brasil lançam mão.
Quando fala no tema da subvenção estatal ao fazer artístico, representada sobretudo pela Lei Rouanet, que movimenta
cerca de R$ 1 bilhão por ano,
Caetano Veloso engrossa o discurso e critica a Folha, certo
jornalismo "travestido de investigativo" e a coluna "Mônica
Bergamo" nesta entrevista, que
preferiu fazer por e-mail.
A polêmica sobre o uso da
Lei Rouanet envolvendo o nome de Caetano tem origem na
revelação feita pela Folha de
que a turnê de seu mais novo
álbum, "Zii e Zie", só pôde recorrer a patrocínio com benefício desse mecanismo de renúncia fiscal depois que o ministro
da Cultura, Juca Ferreira, interveio em decisão da Comissão Nacional de Incentivo à
Cultura (CNIC).
A comissão analisa os projetos submetidos à Lei Rouanet e
avaliou, originalmente, que a
turnê de Caetano era comercialmente viável, podendo
prescindir do incentivo. O orçamento era de R$ 2 milhões.
Caetano julga a cobertura da
Folha "uma pobreza". Por um
lado, ele estrila. Por outro, não
se cansa de ter esperança de um
dia "melhorar mais", como afirma a seguir.
FOLHA - Na última vez em que falou à Folha sobre a Lei Rouanet, você
deixou clara a sua impressão de não
estar sendo devidamente compreendido. Poderia dizer qual é sua
opinião sobre o subsídio estatal à
produção artística e que avaliação
faz do principal mecanismo em prática no Brasil -a Lei Rouanet?
CAETANO VELOSO - Uma moça
entrou na fila de fãs no camarim e, ao chegar junto de mim,
pediu para fazer duas perguntas. De cara, não percebi que
era uma jornalista. Quando entendi isso, eu a encaminhei para a assessora de imprensa. Eu
tinha uma fila grande para
atender. Julguei que a assessora fosse dispensá-la.
Mas ela reapareceu depois,
dizendo agora que faria uma
pergunta só. Respondi rindo
que sim, que fizéssemos logo
para nos livrarmos. Era sobre a
Lei Rouanet. Não sou bom nesses assuntos e já tinha lido na
Folha sugestões de que eu estaria usando dinheiro público indevidamente. Ora, eu não pleiteei nada junto à comissão que
se encarrega de julgar esses pedidos. O produtor que me contratou é que pleiteia. Como a
comissão não aprovou, sob o
pretexto de que uma turnê minha se sustenta sem isso, o jornal achou que havia um caso aí.
Em entrevista à revista
"Cult", eu tinha dito que nunca
pensava em Lei Rouanet quando tratava de música popular e
que só me pronunciei a respeito por causa do cinema: eu havia me manifestado contra o
projeto da Ancinav. A música
popular, eu dizia, não me parece precisar de incentivos além
dos que já tem. Continuo pensando assim (embora pudesse
perfeitamente ter mudado de
ideia).
Pois bem, a moça não só não
fez uma única pergunta como
na terceira de umas cinco punha na minha boca frases que
eu não disse. Ela tinha sido enviada por Mônica Bergamo,
que mantém uma página de fofocas meio "sociais", meio políticas (ou meio de autoridades,
meio de celebridades) e o fito
era nitidamente me tratar como se eu fosse um misto de Sarney com Dado Dolabella.
Ao fim da quarta resposta,
disse-lhe que fosse embora. Ela
perguntou triunfante: "Você
está me mandando embora?".
Respondi que estava e insisti
para que fosse logo. Depois a
Bergamo foi para o rádio gritar
meu nome com aquela voz de
taquara rachada, competindo
em demagogia e má-fé com [o
jornalista Ricardo] Boechat.
Claro que não ouvi isso na
hora: uma amiga me mandou
por e-mail em MP3. Havia um
desejo ridículo de criar um caso
em que eu aparecesse como um
cara que não merece respeito.
Li artigos de outros na Folha
(e cartas de leitores) meio eufóricos com isso. Uma pobreza.
Mas um conhecido me escreveu o seguinte: "Não sei se você
sabe, mas o papel de imprensa
onde eles destilam o veneninho goza de 100% de isenção
fiscal. Será que os próprios repórteres sabem disto? Estamos
falando de dezenas e dezenas
de milhões de reais em incentivos fiscais, não só federais (0%
de PIS, Cofins, imposto de importação etc...) mas também
estaduais, já que papel de imprensa também não paga um
centavo de ICMS. E a isenção é
dada a todo mundo, não só ao
jornal do AfroReggae mas também a enormes corporações
como a Folha, cujo faturamento está na casa do bilhão. A
isenção de impostos do papel
de imprensa é provavelmente a
forma mais antiga de incentivo
fiscal à cultura no Brasil. Acho
que vem dos anos 50. Não sou
contra ela. Ao contrário, sou
muito a favor, tanto para os jornais quanto para os teus shows.
Só sou contra a hipocrisiazinha
vingativa -e boba- travestida
de jornalismo investigativo."
É um aspecto a ser pensado
por mim e por você, Silvana.
O ministro da cultura disse
que achava desequilibrada a
decisão da comissão (no meu
caso como no de Bethânia e no
de Fernanda Montenegro). Se
não fosse assim, o produtor da
minha turnê que se virasse para fazê-la seguir ou a suspendesse. Eu não ligo a mínima. O
ministro quer mudar a lei. Seja
como for, hoje todos a usam.
Mas eu não peço isso a ninguém. Conversei depois com
Maurício Pessoa (o produtor
contratante) e ele me disse que,
sem isso, não teríamos espetáculos como o de Juazeiro do
Norte, em que os ingressos custavam R$ 30. Mas eu não faço
essas contas. Por mim, os ingressos todos dos meus shows
deveriam ser menos caros porque o público que tem muito
dinheiro é, em geral, muito careta -e eu não sou careta. Muitas pessoas que se identificam
com o que faço não podem, em
certas cidades, ir ver o meu
show. Quem quer que me contrate deverá, contando ou não
com isenção fiscal, tentar resolver essa questão, que me interessa. O resto -os casos jornalísticos de excitação por tentar destruir reputações- não
me interessa.
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