São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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CRÍTICA

Esporte na TV faz aflorar nacionalismo

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

É só começar algum megaevento esportivo, como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas, que o nacionalismo esportivo aflora com uma facilidade incrível -e instantânea.
De uma hora para outra, nos pegamos diante da TV torcendo irracionalmente a favor dos "brasileirinhos", a maioria dos quais completos desconhecidos até anteontem, nada, até um segundo antes de começar a transmissão da prova de judô, de hipismo, de remo etc. Cada rosto, cada gesto dos "nossos" carrega-se de significação, torna-se o embate de nós contra eles, quaisquer que sejam esses eles.
É, entretanto, um nacionalismo meio de araque, esse que se ancora nas esperanças do esporte. É eterno, forte e belo enquanto dura uma partida ou uma prova. Oscila tanto quanto o placar de um jogo de vôlei ou de basquete. Funda-se nas imagens e numa enviesada identificação que temos com as caras, os nomes, os sotaques de "nossos" representantes nas quadras, piscinas, tatames, campos e pistas.
Não tem a ver com orgulho do presente e a glória do passado no sentido, por exemplo, mais militar que o nacionalismo norte-americano assume -e que, na abertura destes Jogos Olímpicos, foi diplomaticamente contido. Ou com uma afirmação celebratória dos valores de um povo em contraste com o patriotismo oficial e pesado do Estado que não o representa, como já foi à época da ditadura.
Não, aqui e agora, o nacionalismo é mote publicitário, um "frissson" provocado pela exposição maciça do verde-amarelo que toma conta do espaço televisual nesse período.
Trata-se de uma impostura, claro, que tem no telejornalismo esportivo um de seus principais pilares. Parece que a missão do telejornalismo é botar o telespectador para torcer irracional e histericamente.
Os narradores de jogos falam aos berros, forçam o olhar do espectador aos acertos ou à suposta superioridade dos brasileiros e inventam expressões pouco generosas para desqualificar o adversário sem a menor preocupação de manter algum tipo de imparcialidade -e isso tanto em jogos mais populares de fato quanto em provas mais obscuras, como tênis de mesa.
Certo, esporte na TV é entretenimento e entretenimento supõe uma dose de emoção previsível e calculada, mas esse esforço em extrair toda a vibração nacionalista do espectador a qualquer custo parece estar um passo além disso.
É como se o jornalismo esportivo se sentisse na obrigação de encenar, toda vez, uma farsa bem barulhenta e colorida para encobrir o vazio em que se transformou a idéia de país e de comunidade nacional.
Temos que desejar com intensidade febril que aqueles brasileiros que são, parafraseando o slogan oficial, o melhor do Brasil vençam, triunfem para que o Brasil não desapareça.

biabramo.tv@uol.com.br


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