São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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Música

"O jazz vive uma fase de transição", diz Rollins

Saxofonista de 77 anos aponta "mudanças tecnológicas" e vê o hip hop com "simpatia'

"Ouço muita gente que reclama do hip hop, mas acho que, no fundo, ele também é uma forma de jazz", afirma o músico


Divulgação
O saxofonista Sonny Rollins, que é atração do Tim Festival

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aos 77 anos, ele continua excitando platéias pelo mundo afora com seus improvisos. Cinco décadas depois de se tornar um dos músicos mais cultuados na história do jazz, Sonny Rollins ainda sopra o sax tenor com seu jeito de urso bonachão, sem perder a crença no espírito indomável desse gênero musical.
"O jazz é a música da liberdade, ninguém pode controlá-lo. É por isso que ele pode assumir conotações políticas, como já aconteceu muitas vezes no passado", diz à Folha o músico e compositor norte-americano, que será uma das principais atrações do Tim Festival, que acontece em outubro, em São Paulo e no Rio.
Os felizardos que acompanharam o show de Rollins no parque da Catacumba, no Rio, em 1985, jamais se esqueceram daquela tarde. Desde então ele recusou vários convites da produção do extinto Free Jazz e do Tim Festival para retornar ao país, mas garante que não foi por falta de vontade.
"Lucille, minha mulher, sempre ia comigo nas turnês. Como ela ficou muito doente, deixamos de viajar", justifica o jazzista, que ainda se mostra abatido pela morte da companheira, em 2004. "Ficamos juntos por 45 anos. Ainda é difícil viver sem ela, mas aos poucos a tristeza vai passando. A vida continua", diz.
Rollins é um dos maiores expoentes do hard bop, estilo de jazz moderno gerado nos anos 50 que continua a ser cultivado por músicos de gerações posteriores. Já era um saxofonista de prestígio, em 1958, quando lançou o álbum "Freedom Suite" (Suíte da Liberdade), sua declaração do jazz como veículo de protesto - concepção que defende até hoje.

Jazz e política
"O jazz já não é tão popular como antes, porque isso não interessa a quem está no poder. Os governantes são contra a liberdade, querem manter todos silenciosos e inertes, mas não podem controlar o jazz. O jazz é uma música completamente livre e política", afirma o saxofonista, que confirma seu apoio ao candidato democrata Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos, embora com certo ceticismo.
"Ter um representante das minorias na presidência seria um fato progressista e benéfico para a imagem do país no mundo. No entanto, é difícil prever quantas concessões Obama terá que fazer para ser eleito. São tantas as forças contra ele que, se for mesmo eleito, não tenho a ilusão de que Obama será capaz de fazer tudo que pretende", diz Rollins.
A cena atual do jazz também é encarada de maneira crítica pelo músico. "O jazz viveu um grande momento criativo nos anos 50 e, de lá para cá, passou por fases de alta e de baixa. Hoje a situação é bem diferente. O jazz vive uma fase de transição determinada pelas mudanças tecnológicas. Já não é quase mais tocado nos clubes, vive em grandes festivais", analisa.
Mesmo assim, Rollins não vê com pessimismo o futuro desse gênero. "Hoje você encontra bons músicos de jazz no Japão, na Europa ou no Brasil, como [o trombonista] Raul de Souza, que já gravou comigo. Ainda acho que o jazz continua a ser a música que melhor exprime o espírito do ser humano", diz o saxofonista.
E para aqueles que imaginam que ele seria um daqueles veteranos ressentidos que rejeitam as tendências musicais mais recentes, Rollins surpreende. "Ouço muita gente que reclama do hip hop, mas acho que, no fundo, ele também é uma forma de jazz. Não se trata de jazz instrumental, como conhecemos, mas ele faz parte do mesmo guarda-chuva musical que chamamos de jazz. Encaro com simpatia os garotos do hip hop, porque eles estão tentando fazer a música seguir em frente."

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