São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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O segredo de Clarice

Coletânea "Só para Mulheres" traz reflexões de Clarice Lispector disfarçadas sob dicas de moda e beleza

Quem conhece a literatura de Clarice Lispector (1920-1977) -densa, muito poética e rica em simbolismos de construção sofisticada- dificilmente a imagina como uma mulher interessada em assuntos como moda e conselhos domésticos.
Porém, entre 1952 e 1961, Clarice se dedicou a um ofício tido como um tanto fútil para uma "escritora séria": o de colunista de uma seção feminina. O trabalho começou pouco antes da separação da autora, que era casada com o diplomata Maury Gurgel Valente, e acabou vindo bem a calhar, já que depois do divórcio ela precisou aumentar sua renda.
Parte dos textos que escreveu à época, sob os pseudônimos de Tereza Quadros e Helen Palmer e como "ghost writer" de Ilka Soares, estão em "Só para Mulheres", coletânea organizada por Aparecida Nunes, doutora em literatura brasileira e estudiosa da obra da autora de romances como "A Hora da Estrela" e "A Paixão Segundo G.H.".
A coletânea, um dos destaques entre os títulos de moda e beleza da Bienal do Livro de São Paulo, que acontece até domingo no Anhembi, é uma espécie de continuação de "Correio Feminino", lançado em 2006 (ed. Rocco).
Os dois títulos são compostos por dois lotes diferentes de textos publicados em três colunas de jornal. Ela assinou, como Tereza Quadros, a coluna "Entre Mulheres" no jornal "Comício", em 1952. Entre 1959 e 1961, assinou, como Helen Palmer, a seção "Correio Feminino", do Correio da Manhã. Por fim, entre 1960 e 1961, Clarice foi "ghost writer" da atriz Ilka Soares, ícone de estilo da época, na coluna "Só para Mulheres", do "Diário da Noite".
O livro "Só Para Mulheres" reúne 290 textos e pequenos trechos. Os temas vão do melhor corte de cabelo e do vestido do momento à felicidade conjugal, passando por uma série de receitas de almanaque.
Respeitando as limitações comerciais (no "Correio", a coluna era patrocinada pelos cosméticos Pond's) e as referentes ao veículo e à média do público-alvo, Clarice soube imprimir a tudo sua marca literária.
A inventividade com os adjetivos, as construções com duplos sentidos e o uso de metáforas nada óbvias, recursos presentes em seus contos e romances, também aparecem no livro.
Sob o papo inocente de dona-de-casa, escondem-se reflexões sobre a essência do feminino e sua relação com os homens.
Clarice também critica os excessos consumistas. "Não irá aí muito exagero, muito pretexto para ganho de dinheiro por parte dos negociantes e lançadores da moda? Não estará sendo explorada a vaidade feminina e o orgulho masculino para que fins sejam conseguidos?", pergunta. E ela mesmo responde, defendendo o meio-termo.
O equilíbrio, aliás, parece ser a tônica desses escritos. Mulheres vaidosas, mas não vitrines ambulantes; doces, mas não tolas; fortes, mas jamais grosseiras ou masculinizadas.

com Vivian Whiteman

Conselhos de Clarice


Como usar jóias
Não misture placa de brilhantes, com três voltas de pérolas, com brincos dourados e três pulseiras em cada braço, além de um anelão de água-marinha. Você não é vitrine de joalheiro nem a Virgem do Pilar.


Imitação de Hollywood
Os homens não gostam de mulheres em série. Se gostam daquelas estrelas é porque as acham diferentes. Vocês, imitando-as, apenas serão consideradas ridículas.


Elegância ao caminhar
Outra coisa que melhora o aspecto das pernas é a leveza do andar. Quanto mais pesadamente você caminhar, mais parecerá grudada à terra -e até mesmo suas pernas parecerão mais arqueadas.


Sobre as unhas
Esmalte descascando? Relaxamento. Compridas demais? Vontade de ter garras. Cortadas retas, como de homem? Sinal de bobagem.


SÓ PARA MULHERES
CLARICE LISPECTOR
EDITORA: Rocco
QUANTO: R$ 44 (160 págs.)



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