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Última Moda
ALCINO LEITE NETO ultima.moda@grupofolha.com.br
O segredo de Clarice
Coletânea "Só para Mulheres" traz reflexões de Clarice Lispector disfarçadas sob dicas de moda e beleza
Quem conhece a literatura
de Clarice Lispector (1920-1977) -densa, muito poética e
rica em simbolismos de construção sofisticada- dificilmente a imagina como uma mulher
interessada em assuntos como
moda e conselhos domésticos.
Porém, entre 1952 e 1961,
Clarice se dedicou a um ofício
tido como um tanto fútil para
uma "escritora séria": o de colunista de uma seção feminina.
O trabalho começou pouco antes da separação da autora, que
era casada com o diplomata
Maury Gurgel Valente, e acabou vindo bem a calhar, já que
depois do divórcio ela precisou
aumentar sua renda.
Parte dos textos que escreveu à época, sob os pseudônimos de Tereza Quadros e Helen Palmer e como "ghost writer" de Ilka Soares, estão em
"Só para Mulheres", coletânea
organizada por Aparecida Nunes, doutora em literatura brasileira e estudiosa da obra da
autora de romances como "A
Hora da Estrela" e "A Paixão Segundo G.H.".
A coletânea, um dos destaques entre os títulos de moda e
beleza da Bienal do Livro de
São Paulo, que acontece até domingo no Anhembi, é uma espécie de continuação de "Correio Feminino", lançado em
2006 (ed. Rocco).
Os dois títulos são compostos
por dois lotes diferentes de textos publicados em três colunas
de jornal. Ela assinou, como
Tereza Quadros, a coluna "Entre Mulheres" no jornal "Comício", em 1952. Entre 1959 e
1961, assinou, como Helen Palmer, a seção "Correio Feminino", do Correio da Manhã. Por
fim, entre 1960 e 1961, Clarice
foi "ghost writer" da atriz Ilka
Soares, ícone de estilo da época,
na coluna "Só para Mulheres",
do "Diário da Noite".
O livro "Só Para Mulheres"
reúne 290 textos e pequenos
trechos. Os temas vão do melhor corte de cabelo e do vestido do momento à felicidade
conjugal, passando por uma série de receitas de almanaque.
Respeitando as limitações
comerciais (no "Correio", a coluna era patrocinada pelos cosméticos Pond's) e as referentes
ao veículo e à média do público-alvo, Clarice soube imprimir a
tudo sua marca literária.
A inventividade com os adjetivos, as construções com duplos sentidos e o uso de metáforas nada óbvias, recursos presentes em seus contos e romances, também aparecem no livro.
Sob o papo inocente de dona-de-casa, escondem-se reflexões
sobre a essência do feminino e
sua relação com os homens.
Clarice também critica os excessos consumistas. "Não irá aí
muito exagero, muito pretexto
para ganho de dinheiro por
parte dos negociantes e lançadores da moda? Não estará sendo explorada a vaidade feminina e o orgulho masculino para
que fins sejam conseguidos?",
pergunta. E ela mesmo responde, defendendo o meio-termo.
O equilíbrio, aliás, parece ser
a tônica desses escritos. Mulheres vaidosas, mas não vitrines
ambulantes; doces, mas não tolas; fortes, mas jamais grosseiras ou masculinizadas.
com Vivian Whiteman
Conselhos de Clarice
Como usar jóias
Não misture placa de brilhantes, com três voltas de pérolas, com brincos dourados e
três pulseiras em cada braço,
além de um anelão de água-marinha. Você não é vitrine de joalheiro nem a Virgem do Pilar.
Imitação de Hollywood
Os homens não gostam de
mulheres em série. Se gostam
daquelas estrelas é porque as
acham diferentes. Vocês, imitando-as, apenas serão consideradas ridículas.
Elegância ao caminhar
Outra coisa que melhora o
aspecto das pernas é a leveza do
andar. Quanto mais pesadamente você caminhar, mais parecerá grudada à terra -e até
mesmo suas pernas parecerão
mais arqueadas.
Sobre as unhas
Esmalte descascando? Relaxamento. Compridas demais?
Vontade de ter garras. Cortadas
retas, como de homem? Sinal
de bobagem.
SÓ PARA MULHERES
CLARICE LISPECTOR
EDITORA: Rocco
QUANTO: R$ 44 (160 págs.)
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