São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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A obra dos mortos-vivos

Romance de Jane Austen recebe série de adaptações bizarras após livro que junta ‘Orgulho e Preconceito’ com zumbis; obra sai no Brasil em 2010

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

É uma verdade universalmente reconhecida que um autor na posse de uma boa ideia necessita estar preparado para sofrer imitações. Se o achado cair em domínio público, a sorte é que ele não estará mais vivo para saber o fim da história.
No caso da inglesa Jane Austen (1775-1817), a história parece mesmo não ter fim. A autora do clássico "Orgulho e Preconceito" -cuja frase inicial inspirou o início deste texto- teve todos os romances adaptados para filmes e outros livros. E é improvável que pensasse que, dois séculos depois, suas crias passariam a viver entre zumbis, vampiros e monstros do mar.
Até o fim do ano, ao menos cinco livros que unem Austen a esses seres sairão nos EUA. O fenômeno bizarro começou em abril, com "Pride and Prejudice and Zombies" (orgulho e preconceito e zumbis), e surpreendeu até o pai da ideia, o editor Jason Rekulak, da Quirk Books. "Achava que os fãs de Austen odiariam os zumbis e que os de horror odiariam o romantismo. Não fazia ideia", ele diz à Folha, por telefone, de Nova York, referindo-se aos 850 mil livros vendidos no país, o que o mantém há 18 semanas entre os dez mais do "New York Times".
Na capa, aparecem os nomes de Jane Austen e Seth Grahame-Smith, escritor convidado por Rekulak -80% do texto é o original, de 1813, e o restante foi criado por Grahame-Smith.
Traduções já foram iniciadas em 18 idiomas, incluindo alemão, francês e japonês. No Brasil, a obra sairá pela Intrínseca, em 2010. O êxito garantiu ainda uma espécie de sequência, "Sense and Sensibility and Sea Monsters" (razão e sensibilidade e monstros do mar).
O coautor agora será Ben H. Winters. Mudou porque, após "Zombies", Grahame-Smith recebeu uma proposta de outra editora para escrever sobre Abraham Lincoln e vampiros. "Ofereceram tipo US$ 500 mil. Não podemos pagar isso", diz o editor da Quirk. E os seres viraram monstros do mar porque Rekulak queria algo original. "Sabíamos que outras editoras pegariam carona na ideia, porque é o que as editoras fazem. E só se fala em vampiros..."
De fato, os vampiros foram os primeiros a seguir os zumbis na invasão à obra de Austen. Há pouco, a Sourcebooks lançou "Mr. Darcy, Vampyre" -Darcy é o protagonista de "Orgulho e Preconceito". Em dezembro, sai "Vampire Dar-cy's Desire", pela Ulysses Press.
Para a mesma data, a Ballantine anuncia "Jane Bites Back" (Jane morde de volta), por Michael Thomas Ford. É o primeiro de uma trilogia que faz de Austen uma vampira, há séculos sem receber pelo que escreveu e com um texto inédito rejeitado 116 vezes -e vendo todos faturarem em cima dela.
Parece uma ironia à tendência de enfiar mortos-vivos nas tramas da inglesa, mas não é. "No ano passado, percebi que só se vendiam livros sobre Austen ou sobre vampiros e resolvi unir os dois. Não sabia que viraria algo popular", diz Ford à Folha. Ele afirma que "umas 12 editoras" tiveram interesse.
Ford diz admirar a obra de Austen. Rekulak a escolheu porque estava em domínio público -como qualquer outra lançada antes de 1923 nos EUA-, mas diz que passou a gostar mais dela após editar o livro. "Há a ideia errada de que é algo só romântico. Não é, ela critica a sociedade", diz Ford.
É o que defende a autora de "Jane Austen: Adaptação e Ironia", Genilda Azeredo, professora da Universidade Federal da Paraíba. Para ela, a obra de Austen inclui uma sutileza que nem todas as adaptações mantêm. "Elas destituem as narrativas de complexidade, com tom melodramático."
Azeredo imagina que a autora e "Orgulho e Preconceito" são tão adaptados por serem sinônimo de lucro -cita "O Diário de Bridget Jones". Ao ler uma parte de "Zombies", diz que não chega a ser nem paródia. "É pastiche, fica apenas na superficialidade", avalia.

Vídeos
"Pride and Prejudice and Zombies" ganhou trailers não oficiais no YouTube. Para "Sense and Sensibility and Sea Monsters", a editora pôs no ar um vídeo em que o sr. Willoughby, ao se declarar a Marianne Dashwood, ouve um ruído no lago e pergunta: "Escutou algo?". "Só a batida do meu coração", ela responde, minutos antes de ele ser sugado para a água por tentáculos.

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