São Paulo, sábado, 22 de setembro de 2007

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Crítica/romance

"Os Insones" vai além do suspense ao expor a violência

Tony Bellotto vê a classe média e a juventude "perdida" em meio ao caos urbano

JOAQUIM NOGUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que primeiro chama a atenção no último livro de Tony Bellotto é a maneira sutil e convincente com a qual ele estabelece o suspense: Samora, o personagem principal, observando um garoto negro subir o morro levando na cintura uma pistola Luger.
Entretanto, "Os Insones" não é um romance de suspense, em termos estritos, livro em que há na primeira página um mistério (geralmente representado por um cadáver) que vai ocupar o cérebro de um cara mais ou menos inteligente, mais ou menos "smart" (um Remo Belllini da vida), que mata a charada na última página.
"Os Insones" é mais que isso. Muito mais. É um livro que fala de uma certa juventude desmiolada e perdida, uma classe média em busca das trilhas verdadeiras, uma burguesia iludida com seus velhos e falsos valores. Cabe encaixar uma força de segurança sem força nenhuma, dado o envelhecimento do aparelho de Estado, e cabe encaixar, principalmente, a violência.
A violência é o grande personagem do livro. Ela está presente em todas as páginas, da primeira à última. Porque faz parte das ruas, dos lares, dos morros. Mara Maluca, chefe de quadrilha, analfabeta, débil mental e lésbica, é a violência em seu estado mais brutal e insano. Há outros bandidos. Muitos outros. Cara de Rato, Pelinha, Pena, Vaca. Seria inútil nomear todos: são iguais, não respeitam o ser humano, não cumprem a lei, exceto a lei deles mesmos.
No meio dessa bagunça generalizada, desse caos monumental, surgem os insones. Quem são eles? De acordo com a epígrafe do romance, são os que acordam e caminham à noite para alcançar a liberdade.
É o caso de Samora, o burguês que abandonou tudo para se entregar à luta armada, e também o caso de Chayene, que escapa da favela pelas portas do teatro. Aqueles que vigiam, acrescentaria eu, e que se vigiam, os que lutam, de uma forma ou outra, com armas ou sem, para mudar o mundo, acabar com o ódio, a opres- são, a miséria e a injustiça social, os verdadeiros pais da violência exposta nessas páginas candentes.

Cyberbirosca
"Os Insones" apresenta uma linguagem moderna, corajosa e dinâmica, tem achados interessantíssimos -Gláucia Corcovado, escritora, com seu olho de vidro (para enxergar melhor?) ganha o pão cotidiano em uma "cyberbirosca".
O autor mistura, a meu ver de propósito, palavras e expressões de uso família (vagina, fazer amor), com termos baixaria (boc., fod., chp.), mistura que lhe dá mais eficiência no passar sua mensagem. Frases rápidas, cortantes, muitas do tipo nominal, parágrafos curtos e duros como balas.
Vi dois pontos baixos no romance. Certos esquemas de suspense (o personagem está distraído, no bem bom, pensando na vida, ergue a cabeça e depara com um estranho olhando-o intensamente; gente de comportamento esquisito erra por capítulos inteiros sem que o leitor lhes saiba o nome). E algumas passagens piegas, como é o caso do diálogo, felizmente curto, entre Maria e seu filho Samora.
Essas concessões não chegam a estragar a leitura. Apenas empobrecem, eu acho.


JOAQUIM NOGUEIRA é escritor, autor de "Informações sobre a Vítima" e "Vida Pregressa", ambos publicados pela Companhia das Letras.


OS INSONES
Autor: Tony Bellotto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (240 págs.)
Avaliação: bom



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