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Cai o pano
Grandes festivais de teatro do Brasil, como Curitiba, Rio Preto e Porto Alegre, têm escalações cada vez mais parecidas e abandonam papel de contestação e radiografia de vanguardas
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Os grandes festivais de artes
cênicas do Brasil cada vez mais
se contentam em ser reuniões
de sucessos, em vez de buscar
antecipar vanguardas e servir
de vitrine para trabalhos pouco
vistos que experimentem linguagens, deem um passo à frente, incomodem.
É o diagnóstico a que se chega ao fim da temporada das
principais mostras anuais do
país, iniciada em março, em
Curitiba, e encerrada nesta semana, em Porto Alegre. No intervalo entre um e outro, há
eventos de grande porte também em Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP) e Brasília.
"Os festivais não conseguem
mais surpreender", diz o ator
Jorge Vermelho, que dirigiu
por nove anos o Festival Internacional de São José do Rio
Preto -ele se desligou da função em agosto deste ano. "Há
uma preocupação com o retorno de imagem para patrocinadores e instituições envolvidos
e com uma resposta positiva do
público. Isso inibe o risco."
Segundo ele, restrições orçamentárias também dificultam
tomadas de posição radicais
por parte dos curadores.
"Os
orçamentos permanecem os
mesmos, mas os gastos [com
cachê, transporte, hospedagem
etc] vão para outros patamares.
Isso acaba diminuindo a programação e fazendo com que se
priorize peças que têm expectativa de êxito de público. Sobra
pouca verba para oferecer outro recorte."
O crítico Macksen Luiz, do
"Jornal do Brasil", que visita o
circuito de festivais desde o começo dos anos 90, diz que "falta
a eles uma conceituação do que
querem mostrar, um desenho
mais concreto de uma ideia de
teatro, que deixe espaço para a
dúvida, a hesitação". Ele percebe "uma certa preguiça [por
parte dos curadores] em fazer
uma procura mais seletiva", um
esforço para escolher obras que
outros festivais já não tenham
sancionado:
"O curador tem de ser um
mercador de espetáculos, sair
com a mochila nas costas e peregrinar o máximo possível.
Os
festivais estão ficando muito
semelhantes uns aos outros."
Uma série de títulos reincidentes nas grades de programação das mostras dá sustentação ao comentário do crítico.
Não há dúvida de que se trata
de bons (em alguns casos, ótimos) espetáculos, mas sua onipresença de fato torna difícil
identificar o discurso de cada
festival.
O paulista "Rainha[(s)] -
Duas Atrizes em Busca de um
Coração", por exemplo, faz escalas nos cinco maiores eventos do país -uma parada a mais
do que o carioca "Inveja dos
Anjos". E a lista de peças convidadas para apresentações em
três dos "grandes" é comprida.
Parabólica de teatro
Luciano Alabarse, coordenador-geral de 13 das 16 edições
do Porto Alegre em Cena, responde à sugestão de preguiça
curatorial. "Viajo mais do que
gosto. Enfrento isso por dever,
convicção. É meu papel ser
uma parabólica."
A "antena" dos festivais do
Sul-Sudeste só vez por outra
capta sinais do teatro no Norte,
Centro-Oeste e Nordeste. O
Porto Alegre em Cena deste
ano foi uma bem-vinda exceção, com cinco peças nordestinas. "Há uma concentração no
eixo Rio-São Paulo", lamenta
Luiz Marfuz, diretor teatral e
professor da Escola de Teatro
da Universidade Federal da Bahia. Em julho, ele integrou o
corpo de leitores críticos do
festival de São José do Rio Preto -o grupo produzia resenhas
para o jornal oficial da mostra.
Marfuz contesta a avaliação
de Jorge Vermelho de que "no
Nordeste, você só pinça uma ou
outra coisa que traga uma visão
diferenciada, vá além da manifestação popular, folclórica". E
defende que os curadores mirem trabalhos não concluídos:
"Eles poderiam assistir a
processos de criação e levar alguns para estrear em seus festivais. É preciso ousar. Não se
trata do charme da estreia, mas
da afirmação do risco."
Já Alabarse questiona o peso
das estreias ("Essa obsessão
pelo novo me parece ingênua")
e relativiza os conceitos de ruptura e inquietação.
"Para mim, manter um diálogo com a América Latina e
apresentar grandes nomes dessa região em peças sem legendas [como acontece em Porto
Alegre] é uma opção radical.
Depois de Beckett, o que é ruptura? Tudo parece velho. Às vezes, confunde-se intelectualismo exacerbado com novidade.
O que me interessa é que tradição e vanguarda dialoguem,
que venham monstros sagrados e talentos ascendentes."
O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da
organização do Porto Alegre em Cena
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