São Paulo, terça-feira, 22 de setembro de 2009

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Cai o pano

Grandes festivais de teatro do Brasil, como Curitiba, Rio Preto e Porto Alegre, têm escalações cada vez mais parecidas e abandonam papel de contestação e radiografia de vanguardas

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Os grandes festivais de artes cênicas do Brasil cada vez mais se contentam em ser reuniões de sucessos, em vez de buscar antecipar vanguardas e servir de vitrine para trabalhos pouco vistos que experimentem linguagens, deem um passo à frente, incomodem.
É o diagnóstico a que se chega ao fim da temporada das principais mostras anuais do país, iniciada em março, em Curitiba, e encerrada nesta semana, em Porto Alegre. No intervalo entre um e outro, há eventos de grande porte também em Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP) e Brasília.
"Os festivais não conseguem mais surpreender", diz o ator Jorge Vermelho, que dirigiu por nove anos o Festival Internacional de São José do Rio Preto -ele se desligou da função em agosto deste ano. "Há uma preocupação com o retorno de imagem para patrocinadores e instituições envolvidos e com uma resposta positiva do público. Isso inibe o risco." Segundo ele, restrições orçamentárias também dificultam tomadas de posição radicais por parte dos curadores.
"Os orçamentos permanecem os mesmos, mas os gastos [com cachê, transporte, hospedagem etc] vão para outros patamares. Isso acaba diminuindo a programação e fazendo com que se priorize peças que têm expectativa de êxito de público. Sobra pouca verba para oferecer outro recorte."
O crítico Macksen Luiz, do "Jornal do Brasil", que visita o circuito de festivais desde o começo dos anos 90, diz que "falta a eles uma conceituação do que querem mostrar, um desenho mais concreto de uma ideia de teatro, que deixe espaço para a dúvida, a hesitação". Ele percebe "uma certa preguiça [por parte dos curadores] em fazer uma procura mais seletiva", um esforço para escolher obras que outros festivais já não tenham sancionado: "O curador tem de ser um mercador de espetáculos, sair com a mochila nas costas e peregrinar o máximo possível.
Os festivais estão ficando muito semelhantes uns aos outros." Uma série de títulos reincidentes nas grades de programação das mostras dá sustentação ao comentário do crítico. Não há dúvida de que se trata de bons (em alguns casos, ótimos) espetáculos, mas sua onipresença de fato torna difícil identificar o discurso de cada festival.
O paulista "Rainha[(s)] - Duas Atrizes em Busca de um Coração", por exemplo, faz escalas nos cinco maiores eventos do país -uma parada a mais do que o carioca "Inveja dos Anjos". E a lista de peças convidadas para apresentações em três dos "grandes" é comprida.

Parabólica de teatro
Luciano Alabarse, coordenador-geral de 13 das 16 edições do Porto Alegre em Cena, responde à sugestão de preguiça curatorial. "Viajo mais do que gosto. Enfrento isso por dever, convicção. É meu papel ser uma parabólica." A "antena" dos festivais do Sul-Sudeste só vez por outra capta sinais do teatro no Norte, Centro-Oeste e Nordeste. O Porto Alegre em Cena deste ano foi uma bem-vinda exceção, com cinco peças nordestinas. "Há uma concentração no eixo Rio-São Paulo", lamenta Luiz Marfuz, diretor teatral e professor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Em julho, ele integrou o corpo de leitores críticos do festival de São José do Rio Preto -o grupo produzia resenhas para o jornal oficial da mostra. Marfuz contesta a avaliação de Jorge Vermelho de que "no Nordeste, você só pinça uma ou outra coisa que traga uma visão diferenciada, vá além da manifestação popular, folclórica". E defende que os curadores mirem trabalhos não concluídos: "Eles poderiam assistir a processos de criação e levar alguns para estrear em seus festivais. É preciso ousar. Não se trata do charme da estreia, mas da afirmação do risco." Já Alabarse questiona o peso das estreias ("Essa obsessão pelo novo me parece ingênua") e relativiza os conceitos de ruptura e inquietação. "Para mim, manter um diálogo com a América Latina e apresentar grandes nomes dessa região em peças sem legendas [como acontece em Porto Alegre] é uma opção radical. Depois de Beckett, o que é ruptura? Tudo parece velho. Às vezes, confunde-se intelectualismo exacerbado com novidade. O que me interessa é que tradição e vanguarda dialoguem, que venham monstros sagrados e talentos ascendentes."

O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da organização do Porto Alegre em Cena



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