São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA - ESTRÉIAS
Terror psicológico leva cineasta novato ao topo

CLAUDIO CASTILHO
especial para a Folha, em Los Angeles

Se a decisão de Bruce Willis de deixar para o passado a fama de ator de produções hollywoodianas de ação surpreendeu meio mundo da indústria cinematográfica, o megassucesso de "O Sexto Sentido" -filme de suspense estrelado pelo ator que entra em cartaz hoje no Brasil-serviu para o neófito diretor e roteirista do filme, M. Night Shyamalan, como uma carona mágica aos anais da história do cinema americano.
"O Sexto Sentido" divide com outra produção de suspense psicológico, "A Bruxa de Blair", a posição de grande vitorioso surpresa da recém-terminada temporada de verão e férias escolares dos Estados Unidos.
Tal como "Blair", o filme do cineasta indiano de apenas 29 anos de idade vem quebrando uma série de recordes. Entre os quais o de ser, ao lado de "Titanic", a única produção a arrecadar U$ 20 milhões em bilheterias durante cinco semanas consecutivas.
Dos impressionantes U$ 250 milhões faturados pelo filme de Shyamalan até agora nos EUA, pode-se tirar outro triunfo: "O Sexto Sentido" já é o décimo-quinto filme de maior sucesso na história em território americano. Mais US$ 10 milhões nesse faturamento e o filme passará a ocupar a décima-segunda posição desbancando "Tubarão", de Steven Spielberg.
Se existe alguém que está faturando o inesperado, não é Bruce Willis, que já tem garantido um salário de U$ 20 milhões por filme: é M. Night Shyamalan.
Mais um recorde: o cineasta -que em "O Sexto Sentido", conta a odisséia de um menino (Haley Joel Osment) que entra em contato com espíritos e recebe o auxílio de um psicólogo (Willis)- acaba de vender para a Disney seu mais novo texto, "Unbreakable" (Inquebrável) por U$ 5 milhões, U$ 1 milhão a mais do que foi pago por "Despertar de um Pesadelo" (97), até então o roteiro mais caro da história. Além disso, Shyamalan vai receber mais U$ 5 milhões pela direção.
Shyamalan concedeu entrevista exclusiva à Folha, na qual ele falou, entre outros assuntos, sobre o surpreendente sucesso de "O Sexto Sentido", os rumores de possíveis indicações para o Oscar e dos cineastas que influenciam seu trabalho. A seguir, os principais trechos da conversa.

Folha - O que o inspirou a escrever um filme sobre comunicação de vivos com espíritos?
M. Night Shyamalan -
Não acho que foi o pavor de fantasmas que eu tinha quando criança (risos). Na verdade, a princípio eu queria escrever um roteiro sobre um serial killer. Depois de desenvolver os primeiros rascunhos, percebi que a história do menino que fazia contato com fantasmas era a que eu pensava em contar. Quanto mais eu me adiantava no roteiro, mais distante ficava o personagem do serial killer, que acabou sumindo do contexto.

Folha - Você se considera uma pessoa espiritual?
Shyamalan -
Como pessoa sim, mas não sou devoto de nenhuma religião organizada.

Folha - Espiritual ao ponto de acreditar em vida após a morte?
Shyamalan -
Acho que estou aberto para aceitar essa possibilidade. Não tenho certeza absoluta da existência de outras vidas porque nunca tive provas disso. O meu filme trata exatamente dessa possibilidade.

Folha - Sua primeira vitória com esse filme foi concluí-lo sem que o texto fosse rescrito, o que é uma coisa do outro mundo em Hollywood.
Shyamalan -
Parece mesmo um milagre. O roteiro que escrevi foi o que usamos do começo ao fim do filme. "O Sexto Sentido" foi o primeiro da história a não sofrer uma só alteração. Quando eu escrevi o roteiro eu sabia que o filme ia fazer sucesso porque sabia da qualidade do material que estava criando. Não sabia, no entanto, que ia ser esse imenso sucesso.
Desde o princípio, eu escrevi pensando em atingir os mais variados públicos possíveis. Minha idéia sempre foi fazer um roteiro universal, não somente para o público americano. Acho que isso me ajudou a encontrar o tema que interessa a qualquer pessoa.

Folha - Por que a fascinação das pessoas pelo sobrenatural, fantasmas, vida após a morte?
Shyamalan -
Essa não é uma fascinação recente. Ela sempre existiu. Em Hamlet, por exemplo, um fantasma conversa com ele e esses temas são abordados. Vida depois da morte é um mistério tanto para aqueles que acreditam quanto para os mais céticos dos humanos, já que todos têm que enfrentar a morte. É um tópico universal como o amor que está no coração de todos, mesmo que em graus diferentes.

Folha - "O Sexto Sentido" e "A Bruxa de Blair", ambos filmes de suspense psicológico, são os dois maiores sucessos do ano nos EUA. Você acredita que estamos experimentando um retorno aos filmes de suspense ao estilo de Hitchcock e deixando efeitos especiais e tecnologia em segundo plano?
Shyamalan -
Espero que sim. O importante é que os personagens, independentemente do gênero do filme em questão, sejam sempre tratados com prioridade. Quando a atenção necessária é dada ao personagem o resultado do filme é sempre melhor.

Folha - O seu trabalho sofre influência de Hitchcock?
Shyamalan -
Lógico. Nesse filme mesmo todos os cantos da casa nos fazem lembrar Hitchcock: a escada, a maçaneta da porta... Ele como ninguém soube apresentar personagens sofrendo transformações incríveis de sentimentos e emoções, como medo, confusão, desespero, apreensão. Outros cineastas também estão lá, como Roman Polanski, em "O Bebê de Rosemary", e Stanley Kubrick, em "O Iluminado".

Folha - A sua participação como ator no filme seria uma homenagem a Hitchcock?
Shyamalan -
Não. Foi a oportunidade que encontrei de praticar minha paixão pela arte de representar. Nunca tive essa oportunidade anteriormente. Escolhi um papel pequeno que não prejudicasse o filme como um todo.

Folha - Como você descobriu o ator-mirim Haley Osment? Ele está magnífico no filme.
Shyamalan -
Entrevistei mais de 300 meninos em todo o país para o papel. Haley foi um dos últimos naquele exaustivo processo de testes.
Lembro que, quando eu o conheci, eu estava extremamente cansado. A leitura de Haley foi esplêndida, mas meu cansaço me deixou confuso. Não estava certo se minha reação positiva à interpretação dele tinha a ver com meu cansaço. Mas não tardou muito para eu ter a certeza de que estava diante do menino perfeito para fazer o papel de Cole Sear.

Folha - Como você reage aos rumores de prováveis indicações de seu filme ao Oscar?
Shyamalan -
Acho tudo isso maravilhoso. Me orgulho de toda a equipe. O que acho importante é que fizemos um filme que não somente entretém as pessoas como também apresenta a história de uma forma inteligente, sem abusar da platéia.

Folha - O que mais o surpreendeu em Bruce Willis?
Shyamalan -
Sempre admirei muito o talento de Bruce. No decorrer de sua carreira ele tem provado ser um verdadeiro camaleão. Fez TV, comédia, filmes de ação e agora parte para projetos mais dramáticos. Essa versatilidade não é qualquer um que possui.
Mas o que mais me surpreendeu nele foi a forte presença que ele tem quando chega ao set. Bruce Willis é uma superestrela do cinema. A atmosfera muda quando estamos na presença dele.

Folha - A parceria com ele foi tão boa que vocês decidiram trabalhar juntos mais uma vez.
Shyamalan -
Pois é. Vamos fazer o filme "Unbreakable" juntos, que também vai contar com a participação de Samuel L. Jackson. O filme que escrevi trata de um cara, interpretado por Bruce, que sofre um terrível acidente e, depois, percebe o quanto a sua vida havia mudado com aquela experiência. Temos planos de estréia para novembro do ano 2000.

Folha - E você fez história mais uma vez conseguindo vender esse roteiro por um montante recorde à Disney.
Shyamalan -
Realmente a venda desse roteiro para a Disney foi uma negociação super-rápida e fácil. "Unbreakable" possui uma história muito interessante e vai seguir o mesmo estilo de "O Sexto Sentido". Vamos torcer para que faça sucesso semelhante ao desse filme (risos).


Texto Anterior: Estréia: "O Primeiro Dia" tem exibição com debate na segunda-feira
Próximo Texto: A verdade de "O Sexto Sentido" está onde menos se espera
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.