São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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TEATRO

Mais do que nunca, estão vivas Cacilda Becker

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Cacilda Becker: "Fúria Santa" é um feliz encontro entre um grande biógrafo e uma biografada incomparável. Luís André do Prado é um pesquisador que esgota fontes e prazos até conseguir o dado que melhor expresse tanto o indivíduo pesquisado quanto a sua época; Cacilda Becker, por sua vez, sentindo que sua história se misturava com a história do teatro brasileiro, deixou um rastro fecundo de cartas, diário, entrevistas e fotos, ela que tinha um fotógrafo na família.
O volume pode assim esbanjar informações, abrindo com um painel de 13 fotos que demonstram sua carreira camaleônica (muitas outras seguirão), seguidas de sete relatos sucessivos sobre sua morte. É como se Prado, jovem demais para dar um testemunho pessoal sobre Cacilda, quisesse atingir a imparcialidade ao acolher todos os pontos de vista. Não é uma exaltação: o que há de excepcional em Cacilda se encontra documentado por relatos de amigos e adversários, e sua performance como atriz, nos triunfos e nos equívocos, vem registrada nas críticas de Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi, entre outros.
Visto já pela geração seguinte, o mito Cacilda Becker é analisado sem diplomacias inúteis: fracassos e vaidades são expostos sem que se caia nunca na bisbilhotice nem na hipocrisia e, humana, Cacilda parece ainda maior.
O grande volume de informações nunca é inútil, por outro lado. Se a princípio parece um certo exagero do biógrafo rastrear a saga dos Becker desde o tataravô Johan Graff von Becker, que nasceu em 1770 na Vestefália, a fábula do conde que perdeu a fortuna pelo amor de uma mulher, condenando seus descendentes à dura vida nas colônias alemãs do interior de São Paulo, faz da atriz uma digna herdeira de um clã disciplinado e tenaz, que mesmo na miséria nunca perdeu a majestade.
É como se toda a história do Brasil culminasse na vida de um ser excepcional, a fama de uma atriz justificando gerações de anônimos humildes -é impossível, aliás, entender a força de caráter de Cacilda Becker sem conhecer a história de outra grande mulher, sua mãe, Alzira.
Mas a história de Cacilda Becker é antes de tudo a história do teatro brasileiro. Quando exige ser paga na inauguração do Teatro Brasileiro de Comédia, o amadorismo deixa de ser um valor para os atores. Quando o regime militar persegue os artistas, é ela que encabeça a resistência, mesmo acreditando no teatro "enquanto ideal, não ideologia". Sua morte abre uma longa noite na cultura brasileira, e a perda irremediável de uma criadora tão múltipla faz com que Carlos Drummond de Andrade escreva o mais famoso necrológio brasileiro: "Morreram Cacilda Becker".
Com ela parecia morrer o teatro no Brasil. Não por acaso, em 1998, é com a peça "Cacilda!" que José Celso Martinez Corrêa retoma definitivamente o fio da meada da utopia. Na presente temporada, na qual os veteranos do TBC comemoram em cena seus 80 anos, sem medo da sucessão de uma nova geração de atores, "Cacilda Becker - Fúria Santa" é imprescindível. Mais do que nunca, estão vivas Cacilda Becker.

Cacilda Becker - Fúria Santa


    
Autor: Luís André do Prado
Prefácio: Alberto Guzik
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 49 (626 págs.)
Lançamento: hoje, às 19h, no Teatro Brasileiro de Comédia (r. Major Diogo, 315, Bela Vista, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 3115-4622)



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