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TEATRO
Mais do que nunca, estão vivas Cacilda Becker
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Cacilda Becker: "Fúria Santa" é um feliz encontro entre
um grande biógrafo e uma biografada incomparável. Luís André do Prado é um pesquisador
que esgota fontes e prazos até
conseguir o dado que melhor expresse tanto o indivíduo pesquisado quanto a sua época; Cacilda
Becker, por sua vez, sentindo que
sua história se misturava com a
história do teatro brasileiro, deixou um rastro fecundo de cartas,
diário, entrevistas e fotos, ela que
tinha um fotógrafo na família.
O volume pode assim esbanjar
informações, abrindo com um
painel de 13 fotos que demonstram sua carreira camaleônica
(muitas outras seguirão), seguidas de sete relatos sucessivos sobre sua morte. É como se Prado,
jovem demais para dar um testemunho pessoal sobre Cacilda,
quisesse atingir a imparcialidade
ao acolher todos os pontos de vista. Não é uma exaltação: o que há
de excepcional em Cacilda se encontra documentado por relatos
de amigos e adversários, e sua
performance como atriz, nos
triunfos e nos equívocos, vem registrada nas críticas de Décio de
Almeida Prado e Sábato Magaldi,
entre outros.
Visto já pela geração seguinte, o
mito Cacilda Becker é analisado
sem diplomacias inúteis: fracassos e vaidades são expostos sem
que se caia nunca na bisbilhotice
nem na hipocrisia e, humana, Cacilda parece ainda maior.
O grande volume de informações nunca é inútil, por outro lado. Se a princípio parece um certo
exagero do biógrafo rastrear a saga dos Becker desde o tataravô Johan Graff von Becker, que nasceu
em 1770 na Vestefália, a fábula do
conde que perdeu a fortuna pelo
amor de uma mulher, condenando seus descendentes à dura vida
nas colônias alemãs do interior de
São Paulo, faz da atriz uma digna
herdeira de um clã disciplinado e
tenaz, que mesmo na miséria
nunca perdeu a majestade.
É como se toda a história do
Brasil culminasse na vida de um
ser excepcional, a fama de uma
atriz justificando gerações de anônimos humildes -é impossível,
aliás, entender a força de caráter
de Cacilda Becker sem conhecer a
história de outra grande mulher,
sua mãe, Alzira.
Mas a história de Cacilda Becker
é antes de tudo a história do teatro
brasileiro. Quando exige ser paga
na inauguração do Teatro Brasileiro de Comédia, o amadorismo
deixa de ser um valor para os atores. Quando o regime militar persegue os artistas, é ela que encabeça a resistência, mesmo acreditando no teatro "enquanto ideal,
não ideologia". Sua morte abre
uma longa noite na cultura brasileira, e a perda irremediável de
uma criadora tão múltipla faz
com que Carlos Drummond de
Andrade escreva o mais famoso
necrológio brasileiro: "Morreram
Cacilda Becker".
Com ela parecia morrer o teatro
no Brasil. Não por acaso, em 1998,
é com a peça "Cacilda!" que José
Celso Martinez Corrêa retoma definitivamente o fio da meada da
utopia. Na presente temporada,
na qual os veteranos do TBC comemoram em cena seus 80 anos,
sem medo da sucessão de uma
nova geração de atores, "Cacilda
Becker - Fúria Santa" é imprescindível. Mais do que nunca, estão
vivas Cacilda Becker.
Cacilda Becker - Fúria Santa
Autor: Luís André do Prado
Prefácio: Alberto Guzik
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 49 (626 págs.)
Lançamento: hoje, às 19h, no Teatro
Brasileiro de Comédia (r. Major Diogo,
315, Bela Vista, São Paulo, tel. 0/xx/11/
3115-4622)
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