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CRÍTICA
Cineasta dirige sem cinto de segurança
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma cruz à margem da
estrada e a vida interrompida que esta designa.
Um boteco de beira de estrada e as vidas estagnadas que
este comporta. Uma casa no
fim do mundo e o derradeiro beco sem saída em que se
meteu uma família.
Angústia, desolação e desespero: o filme de beira de
estrada do argentino Pablo
Reyero é uma viagem ao fim
da noite de personagens destinados a acabar como uma
cruz anônima num lugar ermo. Para cada cabeça, a catástrofe humana correspondente: Reyero surpreende os
personagens já atolados em
desgraça ou à procura dela.
"La Cruz del Sur" parte de
um enredo terrivelmente recorrente. Javier, viciado em
crack, Nora, a namorada
grávida e cocainômana, e
Wendy, o irmão soropositivo, dão um golpe e acabam
acuados na casa dos pais.
Reyero chega, assim, ao
"mundo de Caim", mundo
das pulsões primevas. Uma
teia de relações incestuosas e
mal resolvidas nos aprisiona
desavisadamente. Nunca
chegamos inteiramente à
verdade dessas relações, mas
somos brutalmente tomados pelo clima que se estabelece entre os personagens.
"La Cruz del Sur" pode se
revelar uma experiência desagradável e uma produção
não muito bem-sucedida,
mas tem o que falta à maioria das produções sul-americanas contemporâneas, uma
atmosfera densa e verdadeiramente opressiva que torna
indissociáveis os personagens e o espaço. A força do
filme reside na amálgama
entre a brutalidade estéril
dos personagens e a esterilidade brutal da geografia.
O enredo não importa tanto quanto a busca dessa
amálgama. O mérito de Reyero foi ter apostado, junto
com os atores, nas descobertas e nos riscos da filmagem,
fugindo à tendência excessivamente dramatúrgica que
tem marcado o cinema de
seus conterrâneos. Reyero
dirige sem cinto de segurança. Não chegou a um grande
filme no fim do caminho,
mas aprendeu o suficiente
para não se deixar prender,
da próxima vez, pelos falsos
obstáculos.
La Cruz del Sur
Idem
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