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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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CRÍTICA

Cineasta dirige sem cinto de segurança

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma cruz à margem da estrada e a vida interrompida que esta designa. Um boteco de beira de estrada e as vidas estagnadas que este comporta. Uma casa no fim do mundo e o derradeiro beco sem saída em que se meteu uma família.
Angústia, desolação e desespero: o filme de beira de estrada do argentino Pablo Reyero é uma viagem ao fim da noite de personagens destinados a acabar como uma cruz anônima num lugar ermo. Para cada cabeça, a catástrofe humana correspondente: Reyero surpreende os personagens já atolados em desgraça ou à procura dela.
"La Cruz del Sur" parte de um enredo terrivelmente recorrente. Javier, viciado em crack, Nora, a namorada grávida e cocainômana, e Wendy, o irmão soropositivo, dão um golpe e acabam acuados na casa dos pais.
Reyero chega, assim, ao "mundo de Caim", mundo das pulsões primevas. Uma teia de relações incestuosas e mal resolvidas nos aprisiona desavisadamente. Nunca chegamos inteiramente à verdade dessas relações, mas somos brutalmente tomados pelo clima que se estabelece entre os personagens.
"La Cruz del Sur" pode se revelar uma experiência desagradável e uma produção não muito bem-sucedida, mas tem o que falta à maioria das produções sul-americanas contemporâneas, uma atmosfera densa e verdadeiramente opressiva que torna indissociáveis os personagens e o espaço. A força do filme reside na amálgama entre a brutalidade estéril dos personagens e a esterilidade brutal da geografia.
O enredo não importa tanto quanto a busca dessa amálgama. O mérito de Reyero foi ter apostado, junto com os atores, nas descobertas e nos riscos da filmagem, fugindo à tendência excessivamente dramatúrgica que tem marcado o cinema de seus conterrâneos. Reyero dirige sem cinto de segurança. Não chegou a um grande filme no fim do caminho, mas aprendeu o suficiente para não se deixar prender, da próxima vez, pelos falsos obstáculos.


La Cruz del Sur
Idem
   



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