|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Pesquisa examina dias que se seguiram à morte de Alexandre Vannucchi Leme, em 1973, durante o
regime militar
"Cale-se" contextualiza luta estudantil
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
"Cale-se" narra a história dos 70
turbulentos dias que se seguiram
à morte sob tortura do estudante
de geologia da USP, Alexandre
Vannucchi Leme, em 17 de março
de 1973, então com 22 anos, e a
mobilização para denunciá-la,
que culminou num show do cantor Gilberto Gil no campus da
mesma universidade.
Nele, Gil pôde cantar a censurada parceria com Chico Buarque,
"Cálice": "Num gesto claro de desobediência civil, ele [Gil] levantou assuntos delicados até para
quem arrostava o regime militar",
diz o jornalista Caio Túlio Costa
no recém-lançado "Cale-se", livro
que resulta de um ano de pesquisa
do autor sobre o tema.
A tragédia gerou um basta.
Uniu a sociedade civil contra um
regime que fugia de seus propósitos. Conduziu a figura incontestável do cardeal de São Paulo, d.
Paulo Evaristo Arns -que realizou uma missa para o estudante
na catedral da Sé-, para a frente
que se formava contra a tortura.
Levou entidades a uma postura
crítica diante do regime que, antes, toleravam. Reunificou uma
esquerda dividida e a reaproximou do movimento cultural que
antes vaiou em festivais. Enterrou
de vez a luta armada e ampliou a
aliança com o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro).
Segundo Costa, testemunha dos
acontecimentos, apenas um livro,
o do brasilianista Kenneth Serbin
("Diálogo nas Sombras"), analisa
ou documenta o período:
"Alguns fatos ajudaram a fazer
deste ano [1973] um momento de
virada. Serbin foi o único historiador a apontar a missa de Vannucchi Leme como o "primeiro protesto antigovernamental de grande porte da década de 70"."
A morte de Leme talvez seja tão
emblemática quanto a do jornalista Vladimir Herzog, morto dois
anos depois no mesmo DOI-Codi, que implicou um racha definitivo entre os militares.
Quarenta e três estudantes da
USP são presos na primavera de
73. Procurava-se uma ponte entre
o clandestino movimento estudantil e a cambaleada ALN (Ação
Libertadora Nacional). Dois deles
nunca deixaram a prisão: Leme e
Ronaldo Mouth Queiróz.
Os militares criaram uma farsa.
Leme teria sido atropelado por
um caminhão. Foi enterrado numa cova rasa, sem caixão. A decomposição do corpo foi rápida.
Só em 1983 a família recuperou os
ossos -Leme foi enterrado em
Sorocaba, onde nasceu. Ela foi indenizada pelo Estado nos anos 90.
Leme, ou Minhoca, caiu num
sábado. A notícia chegou em
meio à recepção dos calouros. Os
estudantes da geologia adoravam
o colega festeiro e não se conformaram. Outros estudantes foram
presos. De sala em sala, denunciaram tais prisões.
"Tinha a exata sensação de que,
daquele jeito, o pessoal do centro
acadêmico não ia conseguir nada,
ou melhor, iria assustar ainda
mais os estudantes. Sim, eles precisavam fazer alguma coisa. E essa
coisa precisava ser diferente."
Então, houve uma polarização:
algumas correntes achavam que
os alunos deviam privilegiar a luta
pela qualidade do ensino, outras
afirmavam que deveriam denunciar o autoritarismo. A idéia era
transformar a USP num ponto de
resistência para todo o Brasil. A
pretensão era grande. Deu certo.
"É um momento de inflexão,
em que o sistema se desequilibrou. Os estudantes receberam
um apoio grande. Havia articulações, mas, ali, teve um momento
catalisador. As mortes de terroristas até então não catalisaram. Depois, Leme não era terrorista, era
um estudante", diz Costa. "A
morte dele foi um baita erro do
ponto de vista do regime. Eles erraram e tentaram corrigir. Viram
o erro logo no início, quando inventaram a história do atropelamento, que eles costumavam
usar. É o momento em que muitos se mobilizam de forma pacífica, tentando se reaproximar dos
movimentos de massa", afirma.
CALE-SE. De: Caio Túlio Costa.
Lançamento: A Girafa. Quanto: R$ 43
(352 págs.)
Texto Anterior: Parceria: BBC estréia dois programas na CBN Próximo Texto: Música: Trio Mocotó troca Escovão por Skowa Índice
|