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"ZATOICHI"
Com sofisticação, Takeshi Kitano desafia conservadorismo purista
CRÍTICO DA FOLHA
Em "Zatoichi", mais do que em
qualquer outro de seus filmes, Takeshi Kitano leva às últimas conseqüências seu hibridismo radical, exercitando a arte de
combinar elementos aparentemente não-conciliáveis, como o
burlesco e o lírico, o violento e o
poético, o tradicional e o moderno, o trivial e o filosófico, o realismo e o surrealismo. Desafiando
conservadorismos puristas, se
apropria de uma "pulp fiction" japonesa (a superpopular história
de Zatoichi, um espadachim cego) e cria um roteiro de alta sofisticação, repleto de idas e vindas
no tempo, pontuado de reflexões
sobre o visível e o invisível.
Mas a combinação mais original, aqui, é a que junta o musical e
o filme de artes marciais. O fato de
"Zatoichi" ser um filme de ação
todo coreografado não é novidade para quem conhece a obra de
Kitano ou a de John Woo, para citar dois exemplos do cinema
oriental. Mas é novidade que essa
aproximação seja tão literal.
Não por acaso, o desfecho é um
espetacular número musical que,
por estranho que pareça, funciona como uma declaração de amor
ao sapateado, assinada por tamancos japoneses. Kitano chegou
a dizer que, com esse desfecho,
prestava homenagem a antigos
filmes populares do Japão, que
procuravam imitar os "grands finales" dos musicais hollywoodianos. Mas ele preferiu recriar esses
finais como "um número de sapateado afro-americano combinado
com teatro kabuki". Sensacional.
Para chegar a essa aproximação
entre a coreografia musical e a
ação, Kitano utiliza trilha de percussão eletrônica de Keiichi Suzuki. Em vários momentos o filme
dá pistas de sua seqüência final ao
mostrar personagens que dançam num ritmo marcado pela trilha, acompanhados pela câmera.
A mesma combinação de elementos díspares é encontrada nas
cenas de luta. Ao mesmo tempo
em que elas são encenadas com
realismo brutal, cada jorro de sangue é propositalmente irreal
-Kitano chegou a dizer ao técnico de criação de efeitos que gostaria de "ver o sangue brotar como
flores na tela". Por trás da máscara quase sem expressão de Kitano,
habita um grande poeta.
(PB)
Zatoichi
Idem
Direção: Takeshi Kitano
Produção: Japão, 2004
Com: Takeshi Kitano, Michiyo Ookusu
Quando: hoje, às 23h50, no Espaço
Unibanco; outras exibições amanhã (23/
10) e dias 29/10 e 3/11
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