São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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"ZATOICHI"

Com sofisticação, Takeshi Kitano desafia conservadorismo purista

CRÍTICO DA FOLHA

Em "Zatoichi", mais do que em qualquer outro de seus filmes, Takeshi Kitano leva às últimas conseqüências seu hibridismo radical, exercitando a arte de combinar elementos aparentemente não-conciliáveis, como o burlesco e o lírico, o violento e o poético, o tradicional e o moderno, o trivial e o filosófico, o realismo e o surrealismo. Desafiando conservadorismos puristas, se apropria de uma "pulp fiction" japonesa (a superpopular história de Zatoichi, um espadachim cego) e cria um roteiro de alta sofisticação, repleto de idas e vindas no tempo, pontuado de reflexões sobre o visível e o invisível.
Mas a combinação mais original, aqui, é a que junta o musical e o filme de artes marciais. O fato de "Zatoichi" ser um filme de ação todo coreografado não é novidade para quem conhece a obra de Kitano ou a de John Woo, para citar dois exemplos do cinema oriental. Mas é novidade que essa aproximação seja tão literal.
Não por acaso, o desfecho é um espetacular número musical que, por estranho que pareça, funciona como uma declaração de amor ao sapateado, assinada por tamancos japoneses. Kitano chegou a dizer que, com esse desfecho, prestava homenagem a antigos filmes populares do Japão, que procuravam imitar os "grands finales" dos musicais hollywoodianos. Mas ele preferiu recriar esses finais como "um número de sapateado afro-americano combinado com teatro kabuki". Sensacional.
Para chegar a essa aproximação entre a coreografia musical e a ação, Kitano utiliza trilha de percussão eletrônica de Keiichi Suzuki. Em vários momentos o filme dá pistas de sua seqüência final ao mostrar personagens que dançam num ritmo marcado pela trilha, acompanhados pela câmera.
A mesma combinação de elementos díspares é encontrada nas cenas de luta. Ao mesmo tempo em que elas são encenadas com realismo brutal, cada jorro de sangue é propositalmente irreal -Kitano chegou a dizer ao técnico de criação de efeitos que gostaria de "ver o sangue brotar como flores na tela". Por trás da máscara quase sem expressão de Kitano, habita um grande poeta. (PB)


Zatoichi
Idem
    
Direção: Takeshi Kitano
Produção: Japão, 2004
Com: Takeshi Kitano, Michiyo Ookusu
Quando: hoje, às 23h50, no Espaço Unibanco; outras exibições amanhã (23/ 10) e dias 29/10 e 3/11



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