São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

JORNALISMO


Repórter do "New York Times Magazine" demitido por inventar história conta como virou vítima de mentiroso

Michael Finkel mostra vários lados da mentira

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Em fevereiro de 2002, o jornalista Michael Finkel foi despedido da "New York Times Magazine" por ter forjado uma reportagem sobre a semi-escravidão de adolescentes na Costa do Marfim.
Não é que ele tivesse escrito mentiras substanciais no seu texto. Depois de longas semanas entrevistando pessoas nas fazendas de cacau, Finkel estava pronto para desmascarar fraudes talvez ainda maiores, cometidas por outros jornalistas: casos de crueldade e escravidão absoluta, divulgados pela imprensa americana, iam-se revelando inverídicos à medida que Finkel prosseguia na investigação.
A miséria é tanta, concluiu, que os adolescentes daquela região contam o que os repórteres quiserem ouvir.
Ao voltar para os Estados Unidos, Finkel acabou utilizando-se de um expediente inaceitável. A editora da revista queria que a matéria tivesse uma dimensão "humana", focalizando a história de um único personagem. O material que o repórter trazia consigo não teria como sustentar esse tipo de texto. Movido por muita ambição e alguns estimulantes químicos, Finkel simplesmente criou a biografia de um adolescente fictício: "o que fiz", confessa, "foi pegar uma série de entrevistas e fundi-las em uma só (...) Estava escrevendo sobre adolescentes analfabetos e empobrecidos nas florestas da África Ocidental. Quem seria capaz de determinar que o meu personagem principal não existia?".
Mas descobriram, e sua carreira estava praticamente terminada com o episódio. Foi quando Michael Finkel tomou contato com um outro mentiroso, só que este perigoso e contumaz, chamado Christian Longo.
Christian Longo estava na cadeia, acusado de ter assassinado a mulher e os três filhos -de cinco, três e dois anos de idade. Depois dos crimes, Longo tinha fugido para o México -onde assumira, com sucesso, a identidade falsa de um repórter a quem admirava muito: Michael Finkel, da "New York Times Magazine".
O verdadeiro Michael Finkel viu nessa coincidência a oportunidade de conseguir uma excelente reportagem. O assassinato quádruplo haveria de redimir seu nome na profissão.
"A História Verdadeira" é o resultado arrepiador e habilíssimo da astúcia jornalística de Finkel e das impressionantes mentiras de Longo. Ao mesmo tempo em que confessa seus "crimes" jornalísticos, o repórter tenta obter uma confissão do prisioneiro, ou pelo menos a explicação para a tragédia de sua família. O leitor se torna refém de Finkel, e de Longo, a cada página do texto.
O clima de excitação jornalística quase instintiva, transmitido por Finkel em certos trechos, talvez seja o que mais prejudica o relato da catástrofe dos Longo. Mas não esconde o que há de profundo e assustador no destino de um casal que se debate no consumismo, no medo do fracasso, no culto quase religioso à sinceridade familiar, em meio a todo tipo de fraude e má consciência. Dificilmente algum livro de ficção poderia, como "A História Verdadeira", dar uma idéia mais perturbadora de toda a malignidade que pode haver no ato de mentir.


A História Verdadeira
    
Autor: Michael Finkel
Tradução: Lea P. Zylberlicht
Editora: Planeta
Quanto: R$ 39,90 (336 págs.)


Texto Anterior: Vitrine brasileira
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.