|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
JORNALISMO
Repórter do "New York Times Magazine" demitido por inventar história conta como virou vítima de mentiroso
Michael Finkel mostra vários lados da mentira
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Em fevereiro de 2002, o jornalista Michael Finkel foi despedido da "New York Times Magazine" por ter forjado uma reportagem sobre a semi-escravidão de
adolescentes na Costa do Marfim.
Não é que ele tivesse escrito
mentiras substanciais no seu texto. Depois de longas semanas entrevistando pessoas nas fazendas
de cacau, Finkel estava pronto para desmascarar fraudes talvez ainda maiores, cometidas por outros
jornalistas: casos de crueldade e
escravidão absoluta, divulgados
pela imprensa americana, iam-se
revelando inverídicos à medida
que Finkel prosseguia na investigação.
A miséria é tanta, concluiu, que
os adolescentes daquela região
contam o que os repórteres quiserem ouvir.
Ao voltar para os Estados Unidos, Finkel acabou utilizando-se
de um expediente inaceitável. A
editora da revista queria que a
matéria tivesse uma dimensão
"humana", focalizando a história
de um único personagem. O material que o repórter trazia consigo não teria como sustentar esse
tipo de texto. Movido por muita
ambição e alguns estimulantes
químicos, Finkel simplesmente
criou a biografia de um adolescente fictício: "o que fiz", confessa, "foi pegar uma série de entrevistas e fundi-las em uma só (...)
Estava escrevendo sobre adolescentes analfabetos e empobrecidos nas florestas da África Ocidental. Quem seria capaz de determinar que o meu personagem
principal não existia?".
Mas descobriram, e sua carreira
estava praticamente terminada
com o episódio. Foi quando Michael Finkel tomou contato com
um outro mentiroso, só que este
perigoso e contumaz, chamado
Christian Longo.
Christian Longo estava na cadeia, acusado de ter assassinado a
mulher e os três filhos -de cinco,
três e dois anos de idade. Depois
dos crimes, Longo tinha fugido
para o México -onde assumira,
com sucesso, a identidade falsa de
um repórter a quem admirava
muito: Michael Finkel, da "New
York Times Magazine".
O verdadeiro Michael Finkel viu
nessa coincidência a oportunidade de conseguir uma excelente reportagem. O assassinato quádruplo haveria de redimir seu nome
na profissão.
"A História Verdadeira" é o resultado arrepiador e habilíssimo
da astúcia jornalística de Finkel e
das impressionantes mentiras de
Longo. Ao mesmo tempo em que
confessa seus "crimes" jornalísticos, o repórter tenta obter uma
confissão do prisioneiro, ou pelo
menos a explicação para a tragédia de sua família. O leitor se torna refém de Finkel, e de Longo, a
cada página do texto.
O clima de excitação jornalística
quase instintiva, transmitido por
Finkel em certos trechos, talvez
seja o que mais prejudica o relato
da catástrofe dos Longo. Mas não
esconde o que há de profundo e
assustador no destino de um casal
que se debate no consumismo, no
medo do fracasso, no culto quase
religioso à sinceridade familiar,
em meio a todo tipo de fraude e
má consciência. Dificilmente algum livro de ficção poderia, como
"A História Verdadeira", dar uma
idéia mais perturbadora de toda a
malignidade que pode haver no
ato de mentir.
A História Verdadeira
Autor: Michael Finkel
Tradução: Lea P. Zylberlicht
Editora: Planeta
Quanto: R$ 39,90 (336 págs.)
Texto Anterior: Vitrine brasileira Próximo Texto: Trecho Índice
|