São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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ROMANCE/"INIMIGOS ABSOLUTOS"

Le Carré inclui Iraque em intriga de espionagem

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Restaram dois velhos espiões desempregados. Na novela anterior, "O Jardineiro Fiel" (ed. Record), cujo relançamento coincide com o sucesso do filme homônimo dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, John Le Carré explora perturbações na consciência liberal do Ocidente. Os contornos de um novo inimigo, não mais ideológico, não mais de Guerra Fria, já aparecem no sacrifício de uma jovem disposta a enfrentar a "globalização corporativa", um gigante farmacêutico. Em "Amigos Absolutos", as maquinações se abastecem no caixa de poderoso grupo econômico, com predominância de petróleo e armamentos. A invasão do Iraque é forte referência.
A dupla se encaixa como uma luva numa operação a partir da nova máxima de que "a guerra é a extensão do poder corporativo por outros meios". Os dois são mais do que conhecidos dos serviços de inteligência dos ingleses, americanos, alemães, russos etc. Suas fichas cobrirão de veracidade qualquer montagem que conte, por exemplo, com a experiência da CIA. Não foram "comunistas" fabricados que deram cobertura ao golpe de 1954 na Guatemala? Eisenhower confessa em suas memórias. O aprendizado se consolidou no correr dos anos. Fabricar "terroristas islâmicos" seria mera questão de adaptação aos novos tempos, aos quais se adapta o próprio Le Carré.
Ted parece algo fora de prumo. Participou da radicalização no Reino Unido nos anos 70, emigrou para a Universidade Livre de Berlim, conviveu com anarquistas e trotskistas e conheceu o alemão Sasha, agitador radical com enorme capacidade de liderança. A dupla já se desencantara com o anarquismo quando Ted foi preso e entregue às autoridades inglesas, que o fisgaram como agente protegido em sua incursões no leste pelo cargo de promotor cultural do Conselho Britânico. Sasha passou-se para a Alemanha Oriental em busca do socialismo. Encontrou "nazistas pintados de vermelho". Desiludido, tornou-se agente duplo.
Heidelberg, a capital "high-tech" da Alemanha, seria alvo de um "atentado terrorista" frustrado, com um filão de recursos de origem árabe "identificável" e o objetivo de quebrar o eixo franco-alemão de oposição à invasão do Iraque. Os fracassados Sasha e Ted caíram na armadilha convencidos de que retomavam suas antigas lutas e não com bombas ou cartilhas de luta armada. A morte numa montagem de "operação antiterrorista" é o ponto final. Le Carré é opositor ferrenho da guerra no Iraque. Diz que "terrorista é quem tem bombas e não tem aviões", alusão aos bombardeios aéreos contra civis.
Nega que seja um radical, mas se confessa em estado de cólera. Considera farinhas do mesmo saco os fundamentalismos islâmico e americano, declara obscena a idéia de um "modo de vida universalmente exportável", pensa que Blair não é "poodle", mas cão de cego de Bush, sem ele talvez os rumos fossem outros, e define suas reações como "atitude clássica de um verdadeiro liberal inglês".


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais

Amigos Absolutos
    
Autor: John Le Carré
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: Record
Quanto: R$ 40,90 (420 págs.)


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