São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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28ª BIENAL DE SP

"Há riqueza no Brasil para bancar uma boa Bienal"

Para ex-curador de Veneza, evento de São Paulo é o mais importante do mundo e precisa ser preservado

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Oscar Niemeyer deve estar contentíssimo." Foi a primeira coisa que veio à cabeça do curador norte-americano Robert Storr quando soube que ficaria vazio o segundo andar do pavilhão na 28ª Bienal de São Paulo.
Atual diretor da escola de artes plásticas da Universidade Yale, nos Estados Unidos, e curador da última Bienal de Veneza, função que também exerceu no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Storr depois afirmou que é uma "vergonha" a Bienal paulistana, que ele considera o "maior evento para a arte no mundo", passar pelas dificuldades que tem passado -falta de verbas e o desarranjo institucional que levou a uma ameaça de corte de 40% do orçamento um mês antes do início da mostra e o enxugamento do projeto educativo. Em entrevista à Folha, Storr comenta a polêmica Bienal do Vazio, afirma que, ao contrário do alardeado por muitos que apoiaram a proposta de Ivo Mesquita, o modelo das grandes mostras não está em crise e revela os problemas que enfrentou quando esteve à frente da Bienal de Veneza, em que ameaçou abandonar seu cargo três vezes para conseguir "o que haviam prometido".
Leia a seguir os principais trechos da conversa de Robert Storr com a Folha.

 

FOLHA - Como o sr. reagiu à proposta do curador Ivo Mesquita de deixar um andar inteiro do pavilhão vazio como forma de discutir a suposta crise do modelo das bienais e os problemas internos da Fundação Bienal de São Paulo?
ROBERT STORR
- Acho que foi uma forma elegante de lidar com uma situação ruim. Ser convidado para fazer uma Bienal que não tem dinheiro para se bancar é uma situação muito improvável. Acho que o Ivo transformou uma situação em que artistas acabariam pagando para participar da Bienal numa mostra que, de certa forma, faz um esforço para desmaterializar a arte.

FOLHA - Mas, como proposta curatorial, não seria este apenas um conceito ditado pelas circunstâncias?
STORR
- Isso é um eco de uma tradição curatorial. É uma adaptação estratégica a uma situação desconfortável, mas acredito que, se ele tivesse outras escolhas, teria feito tudo de outra maneira. O que ele fez foi não ceder, encontrar um meio de não ser expulso e fazer da Bienal algo diferente.

FOLHA - Ivo Mesquita afirma que as bienais, num mundo em que há mais de 200 delas, precisam repensar sua função. O sr. concorda que o modelo das grandes exposições está mesmo em crise?
STORR
- Discordo dessa afirmação. A Bienal de São Paulo é o evento de arte mais importante do mundo. Há boas e más bienais, mas não acredito que chegamos ao ponto em que sejam inúteis. Sei das dificuldades em se fazer uma bienal, mas a verdade é que este ano, pelo menos até pouco tempo atrás, foi um dos mais prósperos da história.
Há riqueza suficiente no Brasil para bancar uma boa Bienal.

FOLHA - De onde deve vir o dinheiro para fazer uma bienal?
STORR
- Acredito que, na maioria dos casos, o dinheiro deve vir do município ou do país-sede do evento. A Bienal de São Paulo, desde a última edição, já não tem representações nacionais, mas artistas vindo da França ou da Austrália, por exemplo, têm acesso a fundos do próprio governo caso sejam convidados a participar. Não vejo problema em montar sistemas de financiamento que envolvem o dinheiro também conseguido pelos artistas, mas não só artistas com dinheiro devem participar, o que acaba acontecendo em muitos casos.

FOLHA - Como o sr. lidou com esse problema na Bienal de Veneza?
STORR
- Quando fiz a minha Bienal, briguei muito com os italianos, frisando que eles não podem fazer um convite a um grupo de artistas de uma favela do Rio, por exemplo, e esperar que eles mesmos paguem pelo transporte da obra e venham a Veneza. Quando fui curador em Veneza, vi que não tinha nem mesmo os recursos que haviam prometido no início. Tive de ameaçar sair três ou quatro vezes para conseguir o dinheiro.
Nunca mais vou trabalhar sob essas circunstâncias de novo, mas isso também tem a ver com o sistema italiano, que é totalmente disfuncional.

FOLHA - Outro ponto que sustenta esta Bienal do Vazio é a afirmação, por parte da curadoria, de que as feiras de arte estão cada vez mais parecidas com as bienais.
STORR
- Acho que esse é um argumento para justificar este gesto de agora, que não deve se repetir. Um curador não vai esvaziar sempre uma bienal, nem as condições para tal devem se perpetuar. Em todo caso, uma boa bienal é uma exposição criada para fazer sentido como um todo, que interpreta as obras. Uma feira é só um display de obras que os marchands querem vender, um grande bazar. A Bienal é uma chance de o público participar, é democrática se for bem feita.

FOLHA - Mas uma Bienal quase sem obras não desperdiça a chance dessa participação?
STORR
- Acho que há outras ocasiões em que se pode ver arte. A cena artística paulistana, por exemplo, é bastante movimentada. Arte, em todo caso, tem a ver com pensamento, não precisa ser vista se o público é estimulado a pensar sobre o que é uma exposição, o que devem os mecenas fazer, o que os curadores devem fazer. Não acho um gesto desperdiçado.

FOLHA - Com os limites de orçamento, no entanto, foi cortado boa parte do projeto educativo.
STORR
- Isso é uma grande perda, um grande erro, porque a parte educativa é das poucas coisas que uma bienal pode fazer para aproximar as pessoas da arte, mostrar idéias que elas não descobririam pela televisão. Deixar que isso morra em São Paulo seria uma vergonha e deveria ser evitado como questão de orgulho nacional e latino-americano.


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