|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
28ª BIENAL DE SP
"Há riqueza no Brasil para bancar uma boa Bienal"
Para ex-curador de Veneza, evento
de São Paulo é o mais importante do mundo e precisa ser preservado
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
"Oscar Niemeyer deve estar
contentíssimo." Foi a primeira
coisa que veio à cabeça do curador norte-americano Robert
Storr quando soube que ficaria
vazio o segundo andar do pavilhão na 28ª Bienal de São Paulo.
Atual diretor da escola de artes plásticas da Universidade
Yale, nos Estados Unidos, e curador da última Bienal de Veneza, função que também exerceu no Museu de Arte Moderna
de Nova York (MoMA), Storr
depois afirmou que é uma "vergonha" a Bienal paulistana, que
ele considera o "maior evento
para a arte no mundo", passar
pelas dificuldades que tem passado -falta de verbas e o desarranjo institucional que levou a
uma ameaça de corte de 40%
do orçamento um mês antes do
início da mostra e o enxugamento do projeto educativo.
Em entrevista à Folha, Storr
comenta a polêmica Bienal do
Vazio, afirma que, ao contrário
do alardeado por muitos que
apoiaram a proposta de Ivo
Mesquita, o modelo das grandes mostras não está em crise e
revela os problemas que enfrentou quando esteve à frente
da Bienal de Veneza, em que
ameaçou abandonar seu cargo
três vezes para conseguir "o
que haviam prometido".
Leia a seguir os principais
trechos da conversa de Robert
Storr com a Folha.
FOLHA - Como o sr. reagiu à proposta do curador Ivo Mesquita de
deixar um andar inteiro do pavilhão
vazio como forma de discutir a suposta crise do modelo das bienais e
os problemas internos da Fundação
Bienal de São Paulo?
ROBERT STORR - Acho que foi
uma forma elegante de lidar
com uma situação ruim. Ser
convidado para fazer uma Bienal que não tem dinheiro para
se bancar é uma situação muito
improvável. Acho que o Ivo
transformou uma situação em
que artistas acabariam pagando para participar da Bienal numa mostra que, de certa forma,
faz um esforço para desmaterializar a arte.
FOLHA - Mas, como proposta curatorial, não seria este apenas um conceito ditado pelas circunstâncias?
STORR - Isso é um eco de uma
tradição curatorial. É uma
adaptação estratégica a uma situação desconfortável, mas
acredito que, se ele tivesse outras escolhas, teria feito tudo de
outra maneira. O que ele fez foi
não ceder, encontrar um meio
de não ser expulso e fazer da
Bienal algo diferente.
FOLHA - Ivo Mesquita afirma que
as bienais, num mundo em que há
mais de 200 delas, precisam repensar sua função. O sr. concorda que o
modelo das grandes exposições está
mesmo em crise?
STORR - Discordo dessa afirmação. A Bienal de São Paulo é o
evento de arte mais importante
do mundo. Há boas e más bienais, mas não acredito que chegamos ao ponto em que sejam
inúteis. Sei das dificuldades em
se fazer uma bienal, mas a verdade é que este ano, pelo menos
até pouco tempo atrás, foi um
dos mais prósperos da história.
Há riqueza suficiente no Brasil
para bancar uma boa Bienal.
FOLHA - De onde deve vir o dinheiro para fazer uma bienal?
STORR - Acredito que, na maioria dos casos, o dinheiro deve
vir do município ou do país-sede do evento. A Bienal de São
Paulo, desde a última edição, já
não tem representações nacionais, mas artistas vindo da
França ou da Austrália, por
exemplo, têm acesso a fundos
do próprio governo caso sejam
convidados a participar. Não
vejo problema em montar sistemas de financiamento que
envolvem o dinheiro também
conseguido pelos artistas, mas
não só artistas com dinheiro
devem participar, o que acaba
acontecendo em muitos casos.
FOLHA - Como o sr. lidou com esse
problema na Bienal de Veneza?
STORR - Quando fiz a minha
Bienal, briguei muito com os
italianos, frisando que eles não
podem fazer um convite a um
grupo de artistas de uma favela
do Rio, por exemplo, e esperar
que eles mesmos paguem pelo
transporte da obra e venham a
Veneza. Quando fui curador em
Veneza, vi que não tinha nem
mesmo os recursos que haviam
prometido no início. Tive de
ameaçar sair três ou quatro vezes para conseguir o dinheiro.
Nunca mais vou trabalhar sob
essas circunstâncias de novo,
mas isso também tem a ver com
o sistema italiano, que é totalmente disfuncional.
FOLHA - Outro ponto que sustenta
esta Bienal do Vazio é a afirmação,
por parte da curadoria, de que as feiras de arte estão cada vez mais parecidas com as bienais.
STORR - Acho que esse é um argumento para justificar este
gesto de agora, que não deve se
repetir. Um curador não vai esvaziar sempre uma bienal, nem
as condições para tal devem se
perpetuar. Em todo caso, uma
boa bienal é uma exposição
criada para fazer sentido como
um todo, que interpreta as
obras. Uma feira é só um display de obras que os marchands
querem vender, um grande bazar. A Bienal é uma chance de o
público participar, é democrática se for bem feita.
FOLHA - Mas uma Bienal quase
sem obras não desperdiça a chance
dessa participação?
STORR - Acho que há outras
ocasiões em que se pode ver arte. A cena artística paulistana,
por exemplo, é bastante movimentada. Arte, em todo caso,
tem a ver com pensamento, não
precisa ser vista se o público é
estimulado a pensar sobre o
que é uma exposição, o que devem os mecenas fazer, o que os
curadores devem fazer. Não
acho um gesto desperdiçado.
FOLHA - Com os limites de orçamento, no entanto, foi cortado boa
parte do projeto educativo.
STORR - Isso é uma grande perda, um grande erro, porque a
parte educativa é das poucas
coisas que uma bienal pode fazer para aproximar as pessoas
da arte, mostrar idéias que elas
não descobririam pela televisão. Deixar que isso morra em
São Paulo seria uma vergonha e
deveria ser evitado como questão de orgulho nacional e latino-americano.
Texto Anterior: Agenda Próximo Texto: Frases Índice
|