São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2008

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32ª Mostra de SP/Crítica

"Tulpan" vai do cômico ao comovente

Melhor filme da mostra Um Certo Olhar, em Cannes, longa adota realismo poético sem cair em exotismo simplório

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em um primeiro momento, "Tulpan" aparenta ser apenas mais um entre os tantos filmes de ficção de tom documental situados em um cenário exótico.
Os sinais estão todos lá: não-atores interpretam personagens que levam seus próprios nomes; as estepes cazaques formam o belo e bizarro pano de fundo; uma câmera na mão produz aquela imagem instável, que parece buscar o "calor do momento".
Mas a impressão inicial se desfaz rapidamente. Logo se percebe que a fotografia (assinada pela polonesa Jolanta Dilevska) nada tem de banal: apesar de estar "na mão", a câmera não se limita a registrar o que se passa diante dela; ao contrário, cumpre um papel ativo em complexas operações de enquadramento que tomam parte da narrativa e são capazes de construir um espaço cênico com resultados que oscilam entre o realismo, a comicidade e a poesia.

Realismo poético
O fiapo de trama é simples.
Um jovem que acaba de cumprir o serviço militar obrigatório vai morar na casa da irmã e de sua família. Eles vivem uma cultura nômade, criando ovelhas no mais hostil dos ambientes. O jovem quer se casar -na verdade, sua única perspectiva de sair da casa da irmã e livrar-se do cunhado-, mas, na região, existe apenas uma jovem "disponível", Tulpan. Para desespero do rapaz, ela não aceita o casamento, alegando que ele tem orelhas de abano.
"Tulpan" é um filme docemente engraçado, e é fascinante observar as estratégias para se chegar à comicidade. Elas podem se esconder no "simples" acompanhamento de uma descontrolada criança de dois anos, ou em um sofisticado jogo de enquadramento na construção de uma seqüência hilária, em que um veterinário é obrigado a lidar com um camelo-mãe.
Uma rara preocupação com a montagem confirma a singularidade deste primeiro longa-metragem de Sergei Dvortsevoy, escolhido o melhor filme da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes deste ano.
A sincera busca por um realismo poético faz com que "Tulpan" escape das armadilhas do exotismo simplório e o conduz a um desfecho comovente, em que o caráter documental do cinema se revela com uma força absurda, capaz de produzir a mais pura poesia.


TULPAN
Quando: hoje, às 19h, no Cinemark Cidade Jardim; dia 28, às 19h10, no Espaço Unibanco Pompéia 10
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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