São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2009

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Mostra quebra-cabeça

Incertezas sobre patrocínio rondam a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa amanhã e vai até 5 de novembro

Rafael Hupsel/Folha Imagem
Latas de alguns filmes que estão guardados no Conjunto Nacional, à espera do início do maior evento cinematográfico da cidade, que completa 33 anos e terá mais de 400 títulos em exibição

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Todo ano eles fazem tudo sempre igual. Trocam e-mails e telefonemas com produtores do mundo todo. Encaixam e desencaixam filmes da programação. Tentam revelar produções que o mercado ainda não encampou. Erguem uma estrutura que, a despeito dos 33 anos de vida, parece estar sempre à espera do primeiro tijolo para voltar a ficar de pé. Mas todo ano eles fazem tudo sempre igual: arriscam. E, no fim, espalham centenas de filmes pelas telas da cidade.
"É uma operação que começa no escuro", diz Renata Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ao lado do marido, Leon Cakoff. "No começo deste ano, tivemos que apelar para empréstimos pessoais para tocar a produção. Eu dizia: "Vamos fazer do tamanho que der". Sem patrocínio, a gente para." Deu para fazer do tamanho de sempre. Tamanho G. O evento, que será aberto hoje no Auditório Ibirapuera, com uma sessão para convidados de "À Procura de Eric", de Ken Loach, reúne cerca de 400 títulos e dezenas de convidados nacionais e internacionais.
Antes da festa, houve o sufoco. "Neste ano, foi atípico. Havia a expectativa da mudança da Lei Rouanet e, além disso, todos os dias a palavra crise aparecia nos jornais", diz Cakoff. "Já fizemos a mostra sem estrutura, mas voltar ao que era seria injusto. Há certas coisas, como a falta de legendas em português, que o público nem aceitaria mais."
O orçamento ideal do evento é de cerca de R$ 5 milhões. Para se ter uma ideia do que se move atrás das telas, basta dizer que a contratação da equipe, de cerca de 400 pessoas, consome R$ 1 milhão. O transporte de filmes e a mini-estrutura montada nos aeroportos custa R$ 350 mil. Legendas e tradução não saem por menos de R$ 200 mil.
Em algumas edições, um só patrocinador, a Petrobras, chegou a bancar boa parte do que era preciso para fazer a engrenagem girar. Mas, desta vez, foram mais diversificadas as fontes. A Adidas, que havia colado sua marca ao evento em 2008, aparece como copatrocinadora. A Prefeitura de SP, a Faap e o Itaú-Unibanco aparecem como principais apoiadores.
"No fim, o resultado foi ótimo. Mas terminamos o primeiro semestre sem ter nada garantido", conta Almeida. A Petrobras, por exemplo, já tinha acertado o patrocínio, mas, por uma série de dificuldades burocráticas relacionadas à Lei Rouanet, o dinheiro, simplesmente, não era liberado. O Unibanco, tradicional apoiador, também teve de rediscutir suas ações após a fusão com o Itaú.
E como tocar uma produção a zero? "É meio jogo de pôquer", brinca Renata Almeida. "Mas não dá mais para ser assim. Precisamos do mínimo de garantia. Já ouvi empresários dizerem que, se não houver mais o abatimento de 100% de imposto na Lei [Rouanet], não vão investir."
Uma lei estipula a ajuda do município ao evento, mas nem isso é seguro. Historicamente, a lei, simplesmente, não era cumprida. "O [Gilberto] Kassab declarou, publicamente, que apoiaria a mostra. Mas a lei, até então, não tinha sido cumprida por ninguém, de Luiza Erundina a Marta Suplicy, passando pelo Paulo Maluf e pelo Celso Pitta", diz Cakoff.
A mostra, que começou miúda, em 1977, com 16 longas-metragens, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), ocupa hoje 17 salas e mobiliza um público de 200 mil pessoas. E por que, ainda assim, não tem a existência plenamente garantida? "Será que o poder público acha mesmo que a cultura é importante?", pergunta, em vez de responder, Cakoff. "Chamar de herói e elogiar não paga as contas. No fim, deu tudo certo. Mas é desgastante trabalhar com a incerteza."


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