São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2009

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Incidentes de última hora são rotina

Cineasta preso no Irã e cópia danificada por festival norte-americano estão entre imprevistos que atingem a Mostra

Programação leva em conta formato dos filmes, classificação etária e data de presença de diretores e produtores na cidade

DA REPORTAGEM LOCAL

Premiado em edições anteriores da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o diretor iraniano Bahman Ghobadi era presença garantida no evento até que, da noite para o dia, deixou de responder aos e-mails dos organizadores. Ressurgiria às vésperas do início da Mostra. Com novo e-mail e nova residência. Preso no Irã, por "excesso de crítica", o diretor conseguiu escapar para Nova York. Ganhou um "green card" e virá ao Brasil. Por um triz, seu filme "Ninguém Sabe dos Gatos Persas" não ficou de fora.
Convidados para apresentar o documentário "Inferno", sobre o cineasta Henri-George Clouzot (1907-1977), na primeira semana da Mostra, os diretores Serge Brombert e Ruxandra Medrea tiveram de desfazer as malas. O Festival de Chicago, de onde o filme viria, danificou a cópia. "Inferno" ficou fora da programação.
É assim, com peças que aparecem e desaparecem, que se monta o quebra-cabeça do maior evento cinematográfico de São Paulo. A organizar o jogo, está uma equipe de cerca de 40 pessoas que tem virado noites num prédio de três andares numa rua paralela à avenida Paulista. Há, ainda, o batalhão que se divide por hotéis, salas de cinema e pela Central da Mostra, no Conjunto Nacional .
A reportagem da Folha passou uma tarde no escritório central. Tratava-se do último dia para a tomada de uma série de decisões, pois o catálogo estava sendo finalizado. "Tem que arrumar o logo da Faap", dizia um. "O Maradona vem. Precisa mudar a data do filme", dizia outro, inquieto. Depois de minutos parada à porta da sala de Leon Cakoff, com medo de interrompê-lo no instante errado, uma moça exibe a fitinha dos crachás e credenciais. "Não tem o ano", observa, contrariado, Cakoff. "Mas tem a cara do ano, Leon. Tá boa", contemporiza Renata Almeida. Ao se dar conta do quê surreal do diálogo, ela autoironiza: "Somos pouco centralizadores, né?"
"Ah, mas aqui acontece o inimaginável. Você acredita que a gente convidou o Roman Polanski antes dessa confusão toda?" Mas o relato sobre a prisão do cineasta é interrompido: "Oi, quais são as salas gratuitas mesmo?", pergunta alguém.
Enquanto conversava com a Folha, Almeida folheava o catálogo do ano passado para escolher os filmes que serão exibidos gratuitamente no Masp. Cakoff revisava o texto com a "instrução de uso dos pacotes promocionais". Também estavam ambos atentos aos e-mails com as últimas versões da vinheta musicada por André Abujamra, a partir do desenho da dupla de artistas Osgêmeos, autores do cartaz desta 33ª edição do evento. Mais atribulado que a sede da Mostra é um outro cenário: o aeroporto de Cumbica. Se os filmes falassem, teriam muito a contar. Há, primeiro, os problemas prosaicos. A cópia de "O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus", de Terry Gilliam, exibido na entrevista coletiva sobre o evento, ficou presa no aeroporto Santos Dumont por causa da chuva. Teve de vir para São Paulo pela rodovia Presidente Dutra. Mas o perigo de verdade mora na alfândega.
São antigas as queixas aduaneiras de Cakoff. Recentemente, ele participou da elaboração de uma instrução normativa para o trânsito de bens culturais que, em tese, tornou tudo mais simples. Mas incidentes acontecem. O filme "Le Voyage du Ballon Rouge" foi vítima de um deles. Seu documento de importação foi preenchido em inglês, "Flight of the Red Balloon". Mas o filme viajou de volta com o nome original, em francês. "Juntamos documentos apontando os dois títulos, mas não adiantou. Tivemos que pagar multa", conta Cakoff.

Quase um pesadelo
Os filmes presos no aeroporto são, às vezes, aqueles que têm as datas alteradas na programação. Mas não só eles. A logística de títulos e salas envolve desde formato e classificação etária até data de estadia dos diretores na cidade e os debates previstos. Criado por um técnico especializado, o sistema, não raro, tropeça na própria complexidade. "É quase um pesadelo", define Almeida, que coordena o entra e sai de títulos. "E o público, com razão, ficou mais exigente."
Também com razão, o público ainda reclama das dificuldades para comprar ingressos, dos atrasos nas sessões e do troca-troca de filmes que, vira e mexe, acontece. Se não há mais os filmes falados em inglês com legenda em russo -fato episódico que virou a piada pronta da mostra-, há, ainda, alguns problemas que nem a tecnologia nem os anos de experiência conseguiram resolver. "Infelizmente, os imprevistos pipocam", justifica Cakoff.
(ANA PAULA SOUSA)


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