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Incidentes de última hora são rotina
Cineasta preso no Irã e cópia danificada por festival norte-americano estão entre imprevistos que atingem a Mostra
Programação leva em conta formato dos filmes, classificação etária e data de presença de diretores e produtores na cidade
DA REPORTAGEM LOCAL
Premiado em edições anteriores da Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo, o diretor iraniano Bahman Ghobadi
era presença garantida no
evento até que, da noite para o
dia, deixou de responder aos e-mails dos organizadores. Ressurgiria às vésperas do início da
Mostra. Com novo e-mail e nova residência. Preso no Irã, por
"excesso de crítica", o diretor
conseguiu escapar para Nova
York. Ganhou um "green card"
e virá ao Brasil. Por um triz, seu
filme "Ninguém Sabe dos Gatos
Persas" não ficou de fora.
Convidados para apresentar
o documentário "Inferno", sobre o cineasta Henri-George
Clouzot (1907-1977), na primeira semana da Mostra, os diretores Serge Brombert e Ruxandra Medrea tiveram de desfazer as malas. O Festival de
Chicago, de onde o filme viria,
danificou a cópia. "Inferno" ficou fora da programação.
É assim, com peças que aparecem e desaparecem, que se
monta o quebra-cabeça do
maior evento cinematográfico
de São Paulo. A organizar o jogo, está uma equipe de cerca de
40 pessoas que tem virado noites num prédio de três andares
numa rua paralela à avenida
Paulista. Há, ainda, o batalhão
que se divide por hotéis, salas
de cinema e pela Central da
Mostra, no Conjunto Nacional .
A reportagem da Folha passou uma tarde no escritório
central. Tratava-se do último
dia para a tomada de uma série
de decisões, pois o catálogo estava sendo finalizado. "Tem
que arrumar o logo da Faap",
dizia um. "O Maradona vem.
Precisa mudar a data do filme",
dizia outro, inquieto. Depois de
minutos parada à porta da sala
de Leon Cakoff, com medo de
interrompê-lo no instante errado, uma moça exibe a fitinha
dos crachás e credenciais. "Não
tem o ano", observa, contrariado, Cakoff. "Mas tem a cara do
ano, Leon. Tá boa", contemporiza Renata Almeida. Ao se dar
conta do quê surreal do diálogo, ela autoironiza: "Somos
pouco centralizadores, né?"
"Ah, mas aqui acontece o inimaginável. Você acredita que a
gente convidou o Roman Polanski antes dessa confusão toda?" Mas o relato sobre a prisão do cineasta é interrompido:
"Oi, quais são as salas gratuitas
mesmo?", pergunta alguém.
Enquanto conversava com a
Folha, Almeida folheava o catálogo do ano passado para escolher os filmes que serão exibidos gratuitamente no Masp.
Cakoff revisava o texto com a
"instrução de uso dos pacotes
promocionais". Também estavam ambos atentos aos e-mails
com as últimas versões da vinheta musicada por André
Abujamra, a partir do desenho
da dupla de artistas Osgêmeos,
autores do cartaz desta 33ª edição do evento.
Mais atribulado que a sede da
Mostra é um outro cenário: o
aeroporto de Cumbica. Se os
filmes falassem, teriam muito a
contar. Há, primeiro, os problemas prosaicos. A cópia de "O
Mundo Imaginário de Dr. Parnassus", de Terry Gilliam, exibido na entrevista coletiva sobre o evento, ficou presa no aeroporto Santos Dumont por
causa da chuva. Teve de vir para
São Paulo pela rodovia Presidente Dutra. Mas o perigo de
verdade mora na alfândega.
São antigas as queixas aduaneiras de Cakoff. Recentemente, ele participou da elaboração
de uma instrução normativa
para o trânsito de bens culturais que, em tese, tornou tudo
mais simples. Mas incidentes
acontecem. O filme "Le Voyage
du Ballon Rouge" foi vítima de
um deles. Seu documento de
importação foi preenchido em
inglês, "Flight of the Red Balloon". Mas o filme viajou de
volta com o nome original, em
francês. "Juntamos documentos apontando os dois títulos,
mas não adiantou. Tivemos que
pagar multa", conta Cakoff.
Quase um pesadelo
Os filmes presos no aeroporto são, às vezes, aqueles que
têm as datas alteradas na programação. Mas não só eles. A
logística de títulos e salas envolve desde formato e classificação etária até data de estadia
dos diretores na cidade e os debates previstos. Criado por um
técnico especializado, o sistema, não raro, tropeça na própria complexidade. "É quase
um pesadelo", define Almeida,
que coordena o entra e sai de títulos. "E o público, com razão,
ficou mais exigente."
Também com razão, o público ainda reclama das dificuldades para comprar ingressos,
dos atrasos nas sessões e do
troca-troca de filmes que, vira e
mexe, acontece. Se não há mais
os filmes falados em inglês com
legenda em russo -fato episódico que virou a piada pronta
da mostra-, há, ainda, alguns
problemas que nem a tecnologia nem os anos de experiência
conseguiram resolver. "Infelizmente, os imprevistos pipocam", justifica Cakoff.
(ANA PAULA SOUSA)
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