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No mais vasto projeto do gênero no país, gravadora lança 50 discos de repentistas e emboladores
Um balaio de repente
Primeira leva do pacote, com 12 CDs, mostra resistência dos ritmos populares
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
Na década de 20, uma prosódia
veloz, que soava como se fosse
uma conversa árabe sob batida de
pandeiro, deixava o modernista
Mário de Andrade, em viagem etnográfica, com cara de turista
abestalhado.
Era o choque diante da embolada, ou coco de embolada, poesia
cantada de improviso que acaba
de ganhar, juntamente com o repente de viola, o mais amplo registro fonográfico de todos os
tempos: um pacote de 50 CDs.
A primeira dúzia de discos foi
lançada este mês em São Paulo,
por iniciativa do repentista Téo
Azevedo, 59, caboclo do sertão
mineiro que se firma, depois de
3.000 produções musicais do gênero, como um dos maiores apanhadores dos ritmos populares
do país.
Os repentistas de viola (cantadores) e de pandeiro (emboladores) escaparam da praga apocalíptica de muitos folcloristas.
Agora o gênero alcança até o
mercado pirata, mesmo sem nunca ter sido xodó da indústria cultural. É a tecnologia da cópia a
serviço do folclore?
Longe da masturbação sociológica ensaiada pelo repórter, Azevedo ri da história: "Mal lancei os
discos e muitas faixas já faziam
parte de coletâneas piratas no
Brás, no largo 13, na praça da Sé",
afirma.
O sucesso é "Futebol no Inferno", de Pardal e Verde Lins, que
merecem um dos discos da coleção "Os Grandes Repentistas do
Nordeste". O hit pirateado narra
um jogo de futebol entre o time de
Lampião e o escrete do Satanás.
O tom é o surrealismo próprio
da poesia popular nordestina
-ao estilo de Zé Limeira, um paraibano cuja existência é questionada, que costumava enlouquecer platéias e desafiantes com versos capazes de corar um André
Breton e toda sua "écriture automatique".
Além da resistência nunca dantes imaginada por folcloristas -o
próprio Mário de Andrade temia
pelo futuro da embolada, quando
quem corria riscos de fato era o
futurismo da sua época-, os repentistas têm hoje uma liga afetiva consolidada com o rap, o
"rhythm and poetry" estrangeiro.
"Fui criado ouvindo emboladores e, quando passei a fazer rap, vi
o quanto os dois ritmos são do
mesmo balaio", diz Zé Brown,
rapper pernambucano do Faces
do Subúrbio, primeiro grupo a fazer a ligação direta do repente
com o hip hop. Os paulistanos
Rappin" Hood e a dupla Thaide &
DJ Hum, da classe A da rima,
também fizeram um "bem-bolado" dos gêneros.
É de novo o repente, no ritmo
da danada da dialética e seus balaios de contradição, resistindo,
para abestalhamento dos puristas, em harmonia com o produto
do "invasor imperialista".
A dupla Caju & Castanha, lançados em São Paulo pela gravadora Trama e que pôs a embolada no
circuito jovem do dito sul-maravilha, é exaltada pelos mais antigos nessa crônica da teimosia.
"Devemos a eles esse estouro que
a embolada voltou a ter hoje", celebra Azevedo.
OS GRANDES REPENTISTAS DO
NORDESTE - EMBOLADORES E
CANTORIA DE VIOLA - Artistas:
Caximbinho & Geraldo Mouzinho, Valdir
Teles & Fenelon Dantas, Zé Cardoso &
Geraldo Amâncio, Andorinha &
Sebastião Marinho, Moacir Laurentino &
Sebastião da Silva, Terezinha & Lindalva,
Pardal & Verde Lins, entre outros.
Gravadora: MD Music Distribuidora (av.
Ipiranga, 1.100, 10º andar, SP, tel. 0/xx/
11/229-2207). Quanto: R$ 4 (venda na
gravadora).
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