São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTES PLÁSTICAS

Amilcar de Castro expõe metais em equilíbrio

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Na produção de Amilcar de Castro, sempre foi constante uma certa resistência dos materiais empregados na configuração de uma forma desejada. Como postura poética e política, não parece possível a esse artista trabalhar sem o respeito ao caráter das coisas. Seus limites devem ser respeitados e incorporados.
As chapas de aço, que vêm a se tornar esculturas, não se acomodam a formas quaisquer. Elas devem consentir, produzindo movimentos inusitados junto com o escultor, levando em conta aspereza, opacidade e integridade. A matéria não pode ter suas propriedades físicas corrompidas. Torcida, ela não aceita se submeter a uma idéia atemporal. Se esforça para instituir o que se configurar, encontrando dificuldades.
Quando nos deparamos com uma dessas peças, temos a impressão de que o metal trabalha diante de nós, constituindo a obra. Na sua exposição individual na Pinacoteca do Estado, esse esforço é bem marcado. Amilcar preserva as qualidades do material e procura um modo de ajeitá-lo tornando-o arte.
Em alguns trabalhos dos anos 70 e 80, chapas planas de ferro eram retiradas de seu repouso, cortadas e abertas criando corpos vazados. O escultor buscava uma certa tridimensionalidade, que ampliasse a desenvoltura dessa matéria resistente. Na dobra da escultura, ele evidenciava a lentidão desse movimento. A resistência e o esforço para que a peça se arqueasse realizando gesto único.
Trabalhando hoje com chapas mais espessas, o artista dá outro sentido à dobra. O ferro, cortado num formato irregular, não se abre sugerindo um corpo tridimensional. Em geral, aparece cindido em duas faces de um mesmo corpo. Cada uma possui ângulos e formatos distintos, como uma página dobrada. Quando ele é colocado em pé, revela o desequilíbrio de uma face sobre a outra. Desproporcionais, elas parecem tombar cada uma para um lado. Como irmãos siameses que discordam do rumo a ser tomado.
Na peça mais impressionante, uma placa muito alta sobe verticalmente até um limite em que parece se direcionar ao solo. A outra face, apesar do esforço de ascensão, parece incapacitada de conter a queda, vergando-se no sentido oposto. No entanto, uma dobra robusta garante a sustentação da peça. Aqui ela garante o equilíbrio de uma peça ambígua.
O artista quase posiciona esses trabalhos em direção ao espectador. Não é o desequilíbrio que parece interessá-lo, mas um modo de equilíbrio, que faz o aço desengonçado parar com graciosidade.
Infelizmente, muitas vezes, algumas opções de montagem parecem retirar uma parcela desta energia. As peças grandes em que Amilcar corta blocos grossos, retangulares de ferro, deslocando uma de suas partes de modo a conseguir um novo equilíbrio, estão quase todas montadas de maneira que restitui o bloco anterior.
As possibilidades lúdicas no interior do bloco são atenuadas. De outra maneira, o uso de bases pintadas de azul para as pequenas esculturas parece retirar algo do peso do ferro e do vigor do gesto. São contaminadas pela cor e afastadas, em demasia, do chão, com quem parecem guardar afinidade eletiva. Tais percalços não impedem que se tenha o melhor em arte exposto pelas bandas de cá.


Amilcar de Castro
   
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, Bom Retiro, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/229-9844)
Quando: de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 2/12
Quanto: entrada franca




Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Relâmpagos - João Gilberto Noll: Luta armada
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.