São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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ARTIGO

Pina Bausch volta com mais didatismo e menos fantasia

France Presse
Cena do espetáculo "Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã"


GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Na estréia do espetáculo "Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã", da coreógrafa alemã Pina Bausch no BAM (Brooklyn Museum of Arts), em Nova York, talvez o mais interessante foram mesmo os eventos em torno do teatro.
Não irei dizer se o espetáculo é ruim ou bom. Sendo um profundo admirador de Pina Bausch e tendo ela na altura de uma inventora, alguém que abriu uma nova página na dramaturgia da dança e do teatro, tenho que confessar que o trabalho apresentado na última quarta-feira pela sua companhia, Tanztheater Wuppertal, é talvez o mais frágil que já vi em toda a minha vida. E olha lá, já assisti a todos.
Já no lado de fora, notava-se algo estranho. Não havia frisson. Poucas celebridades. E foi engraçado notar um certo Tom Wolfe, vestido com seu terninho branco procurando ingresso, quando ainda restavam alguns.
Mas as pessoas se perguntavam se seria realmente Tom Wolfe. Provavelmente um imitador, já que ele, avesso à vanguarda como é, jamais seria encontrado na platéia do BAM.

Universo infantil
Ah sim, o espetáculo: um cenário todo branco, ele sugere histórias infantis, brincadeiras de crianças, com um castelo de areia de mentira e bailarinos fazendo aquilo que já vimos (e vimos melhor) em espetáculos anteriores -dessa vez, mais didático do que nos anteriores e menos fantasioso, o que é estranho por se tratar do mundo infantil.
Mas talvez a criança aqui seja somente uma metáfora para o seu inverso e, portanto, reservo o direito de pensar um bom tempo antes de emitir o famoso "gostei" ou "detestei".
O que Pina Bausch faz aqui é uma volta, uma espécie de retrocesso. Conta com movimentos quase didáticos (as palavras do teatro-dança desapareceram) e algumas cenas se parecem tanto com o teatro que o diretor de teatro norte-americano Bob Wilson fazia no início de sua carreira (baseado no autismo de Christopher Knowles), que a platéia, sem entusiasmo, só ri mesmo quando o casal Dominic e Nazareth ocupam a cena e fazem uma "comic routine".
Ela, com a voz grossa, obcecada por cigarros e só achando interessante as pessoas que fumam, interage com ele num diálogo que é mais ou menos o seguinte (ambos com fortíssimo sotaque de estrangeiro):
Ela: "Eu tenho sotaque?"
Ele: "Posso te amar?"
Ela: "Nããããoooo!!!"
Ele: "Posso te amar por um dia?"
Ela: "Nããããooooo!!!!"
Ele: "Posso te amar por uma hora?"
Ela: "Nããããoooo!!!!"
Ele: "Posso te amar por 30 segundos?"
Ela: "Por 30 segundos, pode"
E a cena prossegue. Eles se abraçam, e ele olha o relógio durante os 30 segundos enquanto ela diz: "Você vai cronometrar?"
Sim, existe o humor e minutos de virtuosismo, mas o brilho da maturidade desapareceu. Talvez ele tenha se perdido de propósito para dar vez a uma certa infantilidade de ontem, hoje e amanhã.
Todo artista precisa dessa renovação ou reorganização. Julgá-la só será possível em retrospecto. Pina Bausch construiu uma obra gigantesca, monumental e, agora, talvez esteja a desconstruindo.
Esse espetáculo integra um repertório (já tem quatro anos) e pode vir a ser uma pedra fundamental nisso que se chama de legado de um artista.


Gerald Thomas é diretor teatral


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