São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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TV

Para João Carlos Saad, sentimento incômodo com a democracia está por trás de projeto que cria agência do audiovisual

"Ancinav é ruim e feia", diz dono da Band

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Presidente da Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores), entidade formada há um mês pelo SBT, Record, Band e Rede TV!, o empresário João Carlos Saad, 53, afirma que o setor de radiodifusão está sendo "extremamente atacado" e que o projeto do governo de criar uma agência do audiovisual, a Ancinav, que engloba cinema e TV, é "ruim e feio".
Saad é presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação. A Abra foi criada para defender os interesses de empresas que não se sentem representadas pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).
A seguir, trechos de entrevista concedida por Saad à Folha.
 

Folha - Qual será a diferença da Abra para a Abert?
João Carlos Saad -
A Abra nasce com o objetivo de ser uma organização muito mais aberta, mais democrática. Nós tentamos que houvesse um processo democrático na Abert, que hoje representa uma só televisão [a Globo].
Os objetivos são, primeiro, defender o setor, porque eu acho que a radiodifusão está sendo extremamente atacada. Não é um movimento isolado. Não vem de um setor, vem de vários setores. Vem de diversos ministérios.

Folha - Vem de ministérios e do Congresso Nacional?
Saad
- Vem de ministérios, vem de projetos no Congresso, vem do Ministério da Justiça, que tem um projeto horroroso contra a radiodifusão [um termo de compromisso em que as TVs assumiriam limites na programação].
A Ancinav é negócio ruim e feio. Agora nós temos problemas com a Anatel, problemas com o Ministério das Comunicações. Querem enfraquecer o setor.

Folha - Por que?
Saad -
Tem outros interesses que talvez a vã filosofia não alcance. Por que canais são transferidos para São Paulo? Será que tem alguém tendo vantagem? Será que tem alguém auferindo algum tipo de recompensa? É esquisito isso.
Nós deixamos rádio pirata e enchemos as empresas [legais] de impostos. Enfiamos goela abaixo horários eleitorais, campanhas políticas, tudo de graça. Depois não pode [propaganda de] cigarro, de advogado. Então, no fundo, nós estamos querendo o quê? Destruir? Destruir o único setor que dá entretenimento e informação grátis para a população?

Folha - A Ancinav é prioridade?
Saad -
A Abra também vai se posicionar contra esse projeto ruim que o Ministério da Cultura fez. Aliás, eu queria saber o que o Ministério da Cultura está fazendo. Um bom jeito de disfarçar que a gente não está fazendo nada é atirar pedra na janela da casa do vizinho. É fazendo arruaça.
Porque com isso a gente não pergunta o que é que está sendo feito no Ministério da Cultura.

Folha - Por que o projeto da Ancinav é ruim e feio?
Saad -
Primeiro, porque ele quer controlar os veículos todos. Por que vão controlar? Quem são essas pessoas que são melhores do que as outras? Acho que a sociedade se controla e o que a sociedade quer é pluralidade. Eu também quero como indivíduo. Não quero ficar escravo de uma única opinião ou de censores estáveis.

Folha - O que está por trás disso?
Saad -
Eu sinto que as pessoas fazem discursos maravilhosos sobre a democracia, mas, na verdade, não gostam dela. É um sistema muito chato mesmo, mas é o menos ruim que a gente conhece. Mas tem gente que não gosta dele e por isso quer controlar tudo.

Folha - O sr. acha que não deveria haver classificação indicativa?
Saad
- Não, eu acho que deve ter. Temos que tomar cuidado com criança. Precisamos definir o que é um horário até onde a criança deveria estar exposta e tomarmos todos os cuidados, dentro de uma auto-regulamentação. Depois desse horário, a culpa é dos pais.

Folha - Qual é o limite de horário ideal para crianças verem TV?
Saad
- Até 21h, por aí.

Folha - De zero a dez que nota o sr. dá para o atual governo em relação aos meios de comunicação?
Saad
- Acho que até aqui ele [o governo] não deu importância estratégica que deveria ter dado. Tanto é que já estamos no segundo ministro das Comunicações, e ele não é do PT. O ministério entrou numa negociação política.

Folha - Há omissão?
Saad
- Eu acho. Nunca mais se discutiu TV digital. O governo tem que começar a organizar o setor. Nós temos que buscar um equilíbrio econômico. Temos distorções graves. A fusão da Sky com a DirecTV caminha para um monopólio no céu.

Folha - Por que a Globo tem 50% da audiência nacional e por volta de 80% do bolo publicitário da TV?
Saad
- Essa é uma realidade de mercado. Temos distorções graves também na área publicitária. Acho que isso precisa ser enfrentado, porque existem dois lados que estão sendo lesados: os anunciantes, que estão pagando mais e levando menos, e os veículos, que teriam direito tecnicamente a essas verbas e não estão tendo.
Então, temos um problema na intermediação [nas agências de publicidade], que precisa ser estudado, analisado, questionado.

Folha - Nos últimos quatro anos a direção artística da Band mudou três vezes. Por que nada é muito duradouro nessa área na Band?
Saad
- Eu não sinto isso não, apesar de ter tido mudanças. Tem mudanças com pessoas, mas as linhas mestras, estratégicas de programação, são as mesmas.
A Band tinha um erro no passado, que foi um exagero no esporte. Aí cometemos um segundo erro: fomos radicais demais e não tínhamos nenhum esporte. Aí a Band se propôs a se popularizar, se feminilizar, e vem dando passos nesse sentido. Às vezes acerta.


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