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TEATRO/CRÍTICA
Metralhadora giratória de Possolo não poupa ninguém
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Prego na Testa" é uma
prova de fogo para um
ator. São nove personagens sucessivos no palco, mais um no programa: o terrorista do poema de
Wislawa Szymborska, que nos
quatro minutos que antecedem a
explosão da bomba que plantou
em um bar se deleita em observar
os transeuntes que irão pelos ares.
Que o público fique avisado: essa
cínica e mordaz lucidez não poupará ninguém.
O grande mérito do adaptador e
diretor Aimar Labaki foi o de entregar a metralhadora giratória
que é o texto de Eric Bogosian
"Pounding Nails in the Floor with
My Forehead" (batendo pregos
no chão com minha testa) às
mãos do palhaço anarquista Hugo Possolo. Há tempos que Possolo ameaçava pôr as garras para fora, ultrapassando o conforto dos
Parlapatões, ele que sempre foi o
Groucho Marx do grupo. Desta
vez, o palhaço está nu.
Labaki se concentrou em tornar
o texto fluido e cheio de pontes
com a atualidade política. Faz referências a Lula quando um personagem cobra de seu velho colega subversivo o fato de ter se enquadrado no sistema. Remete a
bens de consumo e ícones culturais locais, fugindo do original,
mas ganhando em impacto. Afinal, o principal objetivo do texto é
desconcertar até as certezas da
platéia.
Enquanto diretor de espetáculo,
no entanto, sua mão não é tão firme na rédea. Cheio de idéias, Kleber Montanheiro entrava o espetáculo com trocas excessivas de figurino, enquanto as vinhetas sonoras um tanto óbvias do próprio
Labaki tentam manter o ritmo. A
luz expõe a precariedade pretensiosa do cenário.
Esse clima de show de boate, talvez voluntariamente kitsch, deixa
Possolo sem rede diante do público a ser escandalizado. E ele dá
conta do recado, embora se valha
ainda aqui e ali dos agudos do Tililingo, seu personagem fixo que
os fãs fiéis esperam encontrar. É
um artifício para, entre outros cacos, captar a suposta benevolência da platéia.
Mas sua grande consciência
corporal e um timing afiado de
comédia tornam antológica a sucessão de tipos, desde o mendigo
de bílis contagiosa até o odioso
novo rico que exerce o direito de
se armar para proteger sua churrasqueira e piscina. A visceral indignação contra a classe média
não poupa nem platéia nem classe
teatral, sem medo de dar nome
aos bois: assume um sotaque carioca para o fã que se pretende
ator por ter feito um curso com o
Wolf Maya, e surge como um animador de auditório para vender o
peixe do próprio espetáculo. Uma
metralhadora giratória, para ser
confiável, não pode poupar nem
quem a opera.
Alguns personagens, no entanto, não perderam o vinco nova-iorquino, e se o espetáculo vai
bem além do surrado escacho do
Teatro de Revista tupiniquim,
não chega a autocrueldade do título original. Hugo Possolo ainda
não é capaz de fincar pregos no
chão com a testa, como exige a kamikase "stand-up comedy" de
Bogosian. Mas neste espetáculo
destrói de vez seu nariz vermelho,
e dá a cara a bater. Daqui para
frente, mais se poderá esperar dele. É o privilégio dos que se arriscam.
Prego na Testa
Quando: sáb., às 21h, e dom., às 20h. Até
18/12
Onde: Crowne Plaza (r. Frei Caneca,
1.360, tel. 0/xx/11/3289-0985)
Quanto: R$ 30
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