São Paulo, terça-feira, 22 de novembro de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

Metralhadora giratória de Possolo não poupa ninguém

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Prego na Testa" é uma prova de fogo para um ator. São nove personagens sucessivos no palco, mais um no programa: o terrorista do poema de Wislawa Szymborska, que nos quatro minutos que antecedem a explosão da bomba que plantou em um bar se deleita em observar os transeuntes que irão pelos ares. Que o público fique avisado: essa cínica e mordaz lucidez não poupará ninguém.
O grande mérito do adaptador e diretor Aimar Labaki foi o de entregar a metralhadora giratória que é o texto de Eric Bogosian "Pounding Nails in the Floor with My Forehead" (batendo pregos no chão com minha testa) às mãos do palhaço anarquista Hugo Possolo. Há tempos que Possolo ameaçava pôr as garras para fora, ultrapassando o conforto dos Parlapatões, ele que sempre foi o Groucho Marx do grupo. Desta vez, o palhaço está nu.
Labaki se concentrou em tornar o texto fluido e cheio de pontes com a atualidade política. Faz referências a Lula quando um personagem cobra de seu velho colega subversivo o fato de ter se enquadrado no sistema. Remete a bens de consumo e ícones culturais locais, fugindo do original, mas ganhando em impacto. Afinal, o principal objetivo do texto é desconcertar até as certezas da platéia.
Enquanto diretor de espetáculo, no entanto, sua mão não é tão firme na rédea. Cheio de idéias, Kleber Montanheiro entrava o espetáculo com trocas excessivas de figurino, enquanto as vinhetas sonoras um tanto óbvias do próprio Labaki tentam manter o ritmo. A luz expõe a precariedade pretensiosa do cenário.
Esse clima de show de boate, talvez voluntariamente kitsch, deixa Possolo sem rede diante do público a ser escandalizado. E ele dá conta do recado, embora se valha ainda aqui e ali dos agudos do Tililingo, seu personagem fixo que os fãs fiéis esperam encontrar. É um artifício para, entre outros cacos, captar a suposta benevolência da platéia.
Mas sua grande consciência corporal e um timing afiado de comédia tornam antológica a sucessão de tipos, desde o mendigo de bílis contagiosa até o odioso novo rico que exerce o direito de se armar para proteger sua churrasqueira e piscina. A visceral indignação contra a classe média não poupa nem platéia nem classe teatral, sem medo de dar nome aos bois: assume um sotaque carioca para o fã que se pretende ator por ter feito um curso com o Wolf Maya, e surge como um animador de auditório para vender o peixe do próprio espetáculo. Uma metralhadora giratória, para ser confiável, não pode poupar nem quem a opera.
Alguns personagens, no entanto, não perderam o vinco nova-iorquino, e se o espetáculo vai bem além do surrado escacho do Teatro de Revista tupiniquim, não chega a autocrueldade do título original. Hugo Possolo ainda não é capaz de fincar pregos no chão com a testa, como exige a kamikase "stand-up comedy" de Bogosian. Mas neste espetáculo destrói de vez seu nariz vermelho, e dá a cara a bater. Daqui para frente, mais se poderá esperar dele. É o privilégio dos que se arriscam.


Prego na Testa
   
Quando: sáb., às 21h, e dom., às 20h. Até 18/12
Onde: Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, tel. 0/xx/11/3289-0985)
Quanto: R$ 30


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