São Paulo, terça-feira, 22 de novembro de 2005

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LIVROS

Fenômeno na internet, ex-garota de programa de SP lança livro e esgota tiragem inicial de 10 mil exemplares em duas semanas

Bruna Surfistinha, 17, drogada e prostituída

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Há três semanas Raquel Pacheco, 21, atendia como prostituta em média quatro clientes por dia em seu flat em Moema, bairro de classe média alta de São Paulo. Hoje a garota -que tem como livro de cabeceira uma obra da espírita Zibia Gasparetto e responde pelo nome de Bruna Surfistinha- é um fenômeno editorial. Seu celular toca sem parar. Em vez de clientes, responde a pedidos de entrevistas de rádios e TVs.
Não sem motivo. Seu livro, "O Doce Veneno do Escorpião" (ed. Panda Books, R$ 23,90, 172 págs.), viu esgotada sua primeira tiragem, de 10 mil exemplares, em duas semanas, devido a pedidos de livrarias. A próxima tiragem, que deve sair esta semana, será de mais 10 mil e já tem lista de espera. "Isso tem cheiro de best-seller. Poucos livros vendem tanto em tão pouco tempo", avalia Paulo Roberto Pires, gerente editorial da concorrente Ediouro.
Ele explica que o livro se encaixa em um gênero literário do momento, chamado no mercado internacional de "não-ficção narrativa". "São livros de reportagens, de memórias. Se você junta isso a sexo, é provável que venda muito." Em geral, um livro brasileiro de autor iniciante tem primeira tiragem de 3.000 exemplares; uma fornada com mais de 10 mil é para conhecidos, como Lya Luft (40 mil) e Arnaldo Jabor (20 mil de "Amor É Prosa, Sexo é Poesia").
"Sou uma prostituta bem-sucedida", comemora Raquel, que diz ter parado de se prostituir há três semanas. "Parei porque completei 21 anos, não queria me acabar nessa vida, eu sei o que acontece com prostituta mais velha."
O fenômeno "relato de garota transviada" não foi inventado por ela. Bruna Surfistinha nunca leu o livro "Hell", de Lollita Pille, onde a adolescente rica francesa conta sua vida de compras, drogas e orgias de maneira crua, mas sua história (e a narrativa) se assemelha à da francesa que virou fenômeno mundial de vendas e é autora cult. Lollita vendeu 80 mil exemplares na França e 12 mil no Brasil, onde foi lançada há dois anos. "A Lollita é um fenômeno mundial e deu partida para livros confessionais de garotas. Não sei se esse gênero tem sobrevida", diz Jorge Oakim, da editora Intrínseca, que lançou "Hell" no Brasil. Segundo ele, um dos méritos de Lollita é não se arrepender de nada. "O livro não tem nada de moralista, de pessoa arrependida."
Surfistinha também não se arrepende. Estudou em escolas tradicionais de SP, como Bandeirantes e Imaculada Conceição. Nunca sofreu falta de dinheiro. E se prostituiu em casas dos Jardins e Moema, regiões nobres da cidade.
A moça, que desde 2003 tem um blog, fala da prostituição com naturalidade, tanto no livro (escrito em parceria com o jornalista Jorge Tarquini) como pessoalmente. "Já trabalhei em muita casa, mas decidi atender no meu flat porque aí não tenho cafetão. Cafetão foi um atraso na minha vida. Tive uma cafetina que ficava com 60% do meu dinheiro e me obrigava a trabalhar doente", diz. Também não se arrepende do passado. "Por que me arrepender? Vou ter que conviver até os 80 anos com o fato ser ex-prostituta, ex-drogada e ex-quase bandida."
Ela fugiu de casa aos 17 anos por causa de problemas com a família. "Eu tinha uma relação muito ruim com eles. Materialmente não me faltava nada, mas eles não entendiam a minha rebeldia de adolescente." Ela fala isso como se a adolescência já tivesse passado. "Esse tempo em que fui prostituta passou muito rápido pra mim."
No livro, ela conta detalhes de transas com clientes, visitas a clubes de swing, sexo oral com mulheres (seu preferido) e relata as festinhas em apartamento de garotos. Em uma delas, era a única mulher para oito caras. "Gozei muito", ela escreve no livro.
A vergonha veio na hora em que viu o livro publicado: "Fiquei angustiada e pensei que todo mundo ia saber dos meus podres. Fiquei com medo de ser hostilizada, de ser agredida". Até agora, não foi. Aproveita a fama para fazer planos e pensa em escrever um livro de memórias de uma ex-prostituta e outro de auto-ajuda sobre sexo. "Não sou especialista. Mas, nesses quatro anos, o que eu realizei de fantasia de pessoas... Acho que sou bastante experiente."
A editora comemora o fenômeno. "É um sucesso inacreditável", diz Marcelo Duarte, dono da Panda Books. Ele já recebeu proposta para lançar o livro em Portugal e vender os direitos para o cinema. "Acho que o motivo dessa febre é que a história é muito boa."
"Eu esperava sim que o meu livro fosse fazer sucesso, só não achava que fosse tanto. Criei o blog pra ter com quem conversar e falar. Mas vi que aquilo mexeu com as pessoas. Vida de garota de programa causa muita curiosidade", diz Raquel. Sua história não é só de festas. Ela já teve depressão, pensou em se matar, teve bulimia, fez análise. A mágoa é nunca mais ter visto os pais: "Que pais se orgulham por ver a filha fazendo sucesso como prostituta?".
Por enquanto, Raquel aproveita a fama. Quem entra hoje no seu site não se depara com confissões sexuais, mas sim com uma agenda que diz coisas como "hoje darei entrevista para uma revista, mas vai ser aqui em casa, então vocês não poderão me ver".


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