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LIVROS
Fenômeno na internet, ex-garota de programa de SP lança livro e esgota tiragem inicial de 10 mil exemplares em duas semanas
Bruna Surfistinha, 17, drogada e prostituída
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Há três semanas Raquel Pacheco, 21, atendia como prostituta
em média quatro clientes por dia
em seu flat em Moema, bairro de
classe média alta de São Paulo.
Hoje a garota -que tem como livro de cabeceira uma obra da espírita Zibia Gasparetto e responde
pelo nome de Bruna Surfistinha- é um fenômeno editorial.
Seu celular toca sem parar. Em
vez de clientes, responde a pedidos de entrevistas de rádios e TVs.
Não sem motivo. Seu livro, "O
Doce Veneno do Escorpião" (ed.
Panda Books, R$ 23,90, 172 págs.),
viu esgotada sua primeira tiragem, de 10 mil exemplares, em
duas semanas, devido a pedidos
de livrarias. A próxima tiragem,
que deve sair esta semana, será de
mais 10 mil e já tem lista de espera.
"Isso tem cheiro de best-seller.
Poucos livros vendem tanto em
tão pouco tempo", avalia Paulo
Roberto Pires, gerente editorial da
concorrente Ediouro.
Ele explica que o livro se encaixa
em um gênero literário do momento, chamado no mercado internacional de "não-ficção narrativa". "São livros de reportagens,
de memórias. Se você junta isso a
sexo, é provável que venda muito." Em geral, um livro brasileiro
de autor iniciante tem primeira tiragem de 3.000 exemplares; uma
fornada com mais de 10 mil é para
conhecidos, como Lya Luft (40
mil) e Arnaldo Jabor (20 mil de
"Amor É Prosa, Sexo é Poesia").
"Sou uma prostituta bem-sucedida", comemora Raquel, que diz
ter parado de se prostituir há três
semanas. "Parei porque completei 21 anos, não queria me acabar
nessa vida, eu sei o que acontece
com prostituta mais velha."
O fenômeno "relato de garota
transviada" não foi inventado por
ela. Bruna Surfistinha nunca leu o
livro "Hell", de Lollita Pille, onde
a adolescente rica francesa conta
sua vida de compras, drogas e orgias de maneira crua, mas sua história (e a narrativa) se assemelha à
da francesa que virou fenômeno
mundial de vendas e é autora cult.
Lollita vendeu 80 mil exemplares
na França e 12 mil no Brasil, onde
foi lançada há dois anos. "A Lollita é um fenômeno mundial e deu
partida para livros confessionais
de garotas. Não sei se esse gênero
tem sobrevida", diz Jorge Oakim,
da editora Intrínseca, que lançou
"Hell" no Brasil. Segundo ele, um
dos méritos de Lollita é não se arrepender de nada. "O livro não
tem nada de moralista, de pessoa
arrependida."
Surfistinha também não se arrepende. Estudou em escolas tradicionais de SP, como Bandeirantes
e Imaculada Conceição. Nunca
sofreu falta de dinheiro. E se prostituiu em casas dos Jardins e Moema, regiões nobres da cidade.
A moça, que desde 2003 tem um
blog, fala da prostituição com naturalidade, tanto no livro (escrito
em parceria com o jornalista Jorge Tarquini) como pessoalmente.
"Já trabalhei em muita casa, mas
decidi atender no meu flat porque
aí não tenho cafetão. Cafetão foi
um atraso na minha vida. Tive
uma cafetina que ficava com 60%
do meu dinheiro e me obrigava a
trabalhar doente", diz. Também
não se arrepende do passado.
"Por que me arrepender? Vou ter
que conviver até os 80 anos com o
fato ser ex-prostituta, ex-drogada
e ex-quase bandida."
Ela fugiu de casa aos 17 anos por
causa de problemas com a família. "Eu tinha uma relação muito
ruim com eles. Materialmente
não me faltava nada, mas eles não
entendiam a minha rebeldia de
adolescente." Ela fala isso como se
a adolescência já tivesse passado.
"Esse tempo em que fui prostituta
passou muito rápido pra mim."
No livro, ela conta detalhes de
transas com clientes, visitas a clubes de swing, sexo oral com mulheres (seu preferido) e relata as
festinhas em apartamento de garotos. Em uma delas, era a única
mulher para oito caras. "Gozei
muito", ela escreve no livro.
A vergonha veio na hora em que
viu o livro publicado: "Fiquei angustiada e pensei que todo mundo ia saber dos meus podres. Fiquei com medo de ser hostilizada,
de ser agredida". Até agora, não
foi. Aproveita a fama para fazer
planos e pensa em escrever um livro de memórias de uma ex-prostituta e outro de auto-ajuda sobre
sexo. "Não sou especialista. Mas,
nesses quatro anos, o que eu realizei de fantasia de pessoas... Acho
que sou bastante experiente."
A editora comemora o fenômeno. "É um sucesso inacreditável",
diz Marcelo Duarte, dono da Panda Books. Ele já recebeu proposta
para lançar o livro em Portugal e
vender os direitos para o cinema.
"Acho que o motivo dessa febre é
que a história é muito boa."
"Eu esperava sim que o meu livro fosse fazer sucesso, só não
achava que fosse tanto. Criei o
blog pra ter com quem conversar
e falar. Mas vi que aquilo mexeu
com as pessoas. Vida de garota de
programa causa muita curiosidade", diz Raquel. Sua história não é
só de festas. Ela já teve depressão,
pensou em se matar, teve bulimia,
fez análise. A mágoa é nunca mais
ter visto os pais: "Que pais se orgulham por ver a filha fazendo sucesso como prostituta?".
Por enquanto, Raquel aproveita
a fama. Quem entra hoje no seu
site não se depara com confissões
sexuais, mas sim com uma agenda que diz coisas como "hoje darei entrevista para uma revista,
mas vai ser aqui em casa, então
vocês não poderão me ver".
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