|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Artigo
Era como se fôssemos ficar jovens pra sempre
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Verão de 1987, Ipanema.
Ao subir as escadas do
Barão com Joana, dou
de cara com Renato e Cazuza,
velhos amigos. Sem nenhuma
palavra, nos abraçamos e começamos a girar, maravilha, a
girar, pulando e gritando feito
aborígenes num ritual pagão.
E era isso mesmo.
Não era surpresa para ninguém ali o que se passava naquele abraço. Anos e anos de
sexo, drogas e rock'n'roll tinham enfim resultado no que
chamam de rock brasileiro dos
anos 80. Como, quem, por que,
enfim, que loucura era aquela
que parecia não querer passar
nunca, como se fôssemos ficar
jovens pra sempre. Mas o pra
sempre sempre acaba...
Conheci Renato e a Legião
Urbana em 1984 no CCSP, levado por uma amiga que dizia que
eu precisava ouvir aquela banda de letras interessantes, Renato barbudo e ainda baixista/
vocalista, como eu no RPM, e
foi amizade instantânea. No
outro ano, fizemos juntos uma
reportagem para a "Bizz",
quando ele me disse gostar da
música "A Cruz e a Espada", e,
quando gravei o CD "Rock Popular Brasileiro", em 1996, convidei-o a cantá-la comigo.
A essa altura, Cazuza já havia
morrido por complicações causadas pela Aids e todos sabiam
que Renato, também com a
doença, vivia à base de AZT e
outras drogas. Como Cazuza,
não se abateu pela depressão e
continuava saindo, sempre
aquele humor ferino, a energia
insaciável dos kamikazes.
Mas o Renato que fui buscar
em Ipanema naquela tarde era
um cara tranqüilo, de bermuda
e Havaianas, camisa florida
bem carioca (ele nasceu no Rio,
apesar de a Legião ter surgido
em Brasília) e aquele ar blasé de
quem, aos 35, havia vivido muito. Tínhamos intimidade suficiente para fofocas, piadas, críticas, e Renato, com sua sensibilidade, chorou e nos fez chorar ao cantar nos estúdios da
Som Livre, em Botafogo, a letra
ganhando significados à medida que ele a interpretava. Na
volta, cantamos a plenos pulmões "Dancing with the Moonlit Knight", do Gênesis, feito
garotos em "Wayne"s World".
A música foi para o primeiro
lugar, Renato se foi em outubro, e, em 27 de março de 2002,
seu aniversário, o RPM gravou
um especial para a MTV em
que fazíamos um dueto virtual.
Chorei muito naquela turnê.
Na verdade, choro até hoje.
PAULO RICARDO é músico e foi vocalista da
banda RPM.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|