São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007

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Artigo

Era como se fôssemos ficar jovens pra sempre

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Verão de 1987, Ipanema.
Ao subir as escadas do Barão com Joana, dou de cara com Renato e Cazuza, velhos amigos. Sem nenhuma palavra, nos abraçamos e começamos a girar, maravilha, a girar, pulando e gritando feito aborígenes num ritual pagão. E era isso mesmo.
Não era surpresa para ninguém ali o que se passava naquele abraço. Anos e anos de sexo, drogas e rock'n'roll tinham enfim resultado no que chamam de rock brasileiro dos anos 80. Como, quem, por que, enfim, que loucura era aquela que parecia não querer passar nunca, como se fôssemos ficar jovens pra sempre. Mas o pra sempre sempre acaba...
Conheci Renato e a Legião Urbana em 1984 no CCSP, levado por uma amiga que dizia que eu precisava ouvir aquela banda de letras interessantes, Renato barbudo e ainda baixista/ vocalista, como eu no RPM, e foi amizade instantânea. No outro ano, fizemos juntos uma reportagem para a "Bizz", quando ele me disse gostar da música "A Cruz e a Espada", e, quando gravei o CD "Rock Popular Brasileiro", em 1996, convidei-o a cantá-la comigo.
A essa altura, Cazuza já havia morrido por complicações causadas pela Aids e todos sabiam que Renato, também com a doença, vivia à base de AZT e outras drogas. Como Cazuza, não se abateu pela depressão e continuava saindo, sempre aquele humor ferino, a energia insaciável dos kamikazes.
Mas o Renato que fui buscar em Ipanema naquela tarde era um cara tranqüilo, de bermuda e Havaianas, camisa florida bem carioca (ele nasceu no Rio, apesar de a Legião ter surgido em Brasília) e aquele ar blasé de quem, aos 35, havia vivido muito. Tínhamos intimidade suficiente para fofocas, piadas, críticas, e Renato, com sua sensibilidade, chorou e nos fez chorar ao cantar nos estúdios da Som Livre, em Botafogo, a letra ganhando significados à medida que ele a interpretava. Na volta, cantamos a plenos pulmões "Dancing with the Moonlit Knight", do Gênesis, feito garotos em "Wayne"s World".
A música foi para o primeiro lugar, Renato se foi em outubro, e, em 27 de março de 2002, seu aniversário, o RPM gravou um especial para a MTV em que fazíamos um dueto virtual.
Chorei muito naquela turnê. Na verdade, choro até hoje.


PAULO RICARDO é músico e foi vocalista da banda RPM.


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